O Projeto de Lei 1533/2020 que está tramitando na Assembleia Legislativa (Alepe) vai aumentar os valores das taxas judiciárias e das custas dos processos judiciais recolhidas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). A proposta está causando bastante repercussão e mais de 40 entidades se uniram a secção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) contra a iniciativa. Há valores que podem dobrar, segundo simulações feitas pela OAB-PE. Nesta quarta-feira (28) , haverá uma reunião, às 10h, da Comissão de Administração Pública da Alepe para discutir o assunto. O TJPE recebeu um repasse de R$ 1,4 bilhão em 2019 de duodécimo, recursos gerados por impostos pagos pelos cidadãos e empresas ao governo do Estado.
"Neste momento de pandemia, desemprego e retração da atividade econômica, não é o momento adequado para um aumento de preço das taxas judiciárias e custas dos processos. Isso vai inibir o acesso das pessoas ao Judiciário", comenta o presidente da OAB-PE, Bruno Baptista, acrescentando que no ano passado a cobrança das custas e taxas gerou um superávit de R$ 60 milhões para o Judiciário. Num processo judicial, as partes envolvidas - que são os cidadãos ou as empresas - pagam as taxas judiciárias e as custas processuais. E, geralmente, são cobradas algumas taxas e custas ao longo do processo. É por isso que é difícil dizer qual o impacto médio que o projeto de lei vai ter em cada processo.
Além de lançar uma nota técnica criticando o projeto, a OAB-PE fez uma simulação de quanto poderia ser acrescido em cinco situações que as pessoas recorrem à Justiça, como um divórcio litigioso envolvendo um patrimônio de R$ 200 mil, uma ação de cobrança com uma causa no valor de R$ 20 mil, uma ação de indenização por danos morais e materiais com uma causa no valor de R$ 100 mil e uma ação de execução de título extrajudicial com o valor da causa em R$ 300 mil. De acordo com a OAB-PE, os percentuais de aumento nos valores cobrados ficariam, respectivamente, em 55,74%; 31,31%; 93,63% e 106,4%.
Bruno Baptista diz que o total dos valores a ser pagos nas custas e taxas podem não chegar ao total apresentado na simulação, porque foram incluídos vários atos que poderiam ocorrer e, às vezes, o processo se encerra antes de ocorrerem esses atos, como por exemplo um recurso. "Mas o efeito comprativo está valendo, porque usamos o mesmo método para os dois cálculos, incluindo os mesmos atos e comparando o atual custo com o que está sendo proposto no Projeto de Lei 1533, caso seja aprovado", argumenta. No cálculo feito pela OAB foi contabilizado o que as duas partes pagam no final do processo.
Nas simulações realizadas pela OAB-PE, uma ação de um divórcio litigioso envolvendo um patrimônio de R$ 200 mil (que seria o valor da causa) sairia de R$ 16.795,90 com os valores cobrados hoje para R$ 26.159,17, caso o projeto vire lei. Isso significaria um custo a mais de R$ 9.363,27 a ser bancado pelas partes do processo. Já uma ação de cobrança com uma causa no valor de R$ 20 mil que atualmente pagaria R$ 3015,08 (de taxas judiciais e custas do processo) vai passar a pagar R$ 3.959,17, ocorrendo um acrescimo de R$ 944,09.
Mais dois exemplos citados pela OAB-PE são: uma ação de indenização por danos morais e materiais com uma causa no valor de R$ 100 mil e uma ação de execução de título extrajudicial com o valor da causa em R$ 300 mil. A primeira sairia de um custo de R$ 9.295,90 para R$ 18 mil a serem pagos com as despesas processuais que teriam um custo mais elevado em R$ 8.704. Já a segunda sairia de um custo (com taxas e custas) de R$ 23.332,55 para R$ 48.159,17, com uma elevação de R$ 24.826,62. Só o custo adicional é superior ao total que seria pago hoje, de acordo com a simulação.
O consultor jurídico da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Humberto Vieira de Melo, considera "um absurdo" um aumento desse custo neste momento em que a economia está sofrendo as consequências de uma pandemia. "Vai retirar do cidadão e de várias empresas a capacidade de acesso à Justiça, que é um direito constitucional. Uma pessoa de classe média dificilmente terá condições de ter acesso à Justiça", afirma.
O assessor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Pernambuco (Fecomércio-PE), Thomas Albuquerque, vê com preocupação o aumento desses custos e considera o momento inoportuno. "Atravessamos uma crise potencializada pela pandemia. Vai ser gerado um custo extra para as empresas que demandarem o Judiciário e é bom esse projeto de lei ser mais discutido com a sociedade", comenta. A instituição vai fazer uma live no site da instituição às 16 horas da quinta-feira (29) recebendo os representantes da OAB para discutir a iniciativa.
OUTRO LADO
O desembargador Jorge Américo Lira foi o relator do projeto, quando ele estava sendo construído internamente no TJPE. O Judiciário é o autor da proposta que tramita na Alepe e tem como relator o deputado estadual Antonio Moraes (PP), que foi procurado pela reportagem, mas não retornou a ligação. "A finalidade do projeto é propiciar o adequado financiamento dos serviços judiciários", diz o magistrado, argumentando que a intenção da instituição foi atualizar as leis que fazem a cobrança das custas e das taxas judiciárias, ambas da década de 90.
O desembargador diz que as projeções que a OAB-PE estão fazendo são erradas, "porque possuem distorções que elevaram a estimativa de custo do processo para as partes". Segundo Jorge Américo Lira, "a OAB-PE somou todas as despesas que seriam pagas por diversas partes do processo, como o réu e o autor, como se fosse tudo pago pelo autor da ação, quando são partes distintas", argumenta. Ele também criticou o fato de que a OAB colocou vários atos nos processos que podem não ocorrer, caso o processo se encerre antes desses atos acontecerem.
De acordo com o desembargador, "o TJPE arrecadou, em média, R$ 600 por processo, enquanto tribunais do mesmo porte arrecadaram, em média, R$ 1.800, como é o caso do de Goiás". Ele revela que "não existe aumento médio, porque cada processo é diferente".
Também rebateu as críticas de que o aumento dos custos pode contribuir para as pessoas ficarem sem acesso à Justiça. "O cidadão continuará com o acesso garantido à Justiça. Quem não tem condições de pagar, não vai pagar. Quem não tiver condições de quitar de uma vez esses custos, poderá fazer um parcelamento", resume o desembargador.
O TJPE se mantém com o repasse do duodécimo, bancado com os impostos arrecadados pelo governo do Estado. No ano passado,o Judiciário recebeu R$ 1,4 bilhão de duodécimo e arrecadou R$ 194 milhões com taxtas judiciárias e custas do processo. Dessa última receita, cerca de 30% foram usados para complementar a folha de pagamento dos funcionários do TJPE.
Segundo Jorge Américo Lira, o valor repassado no duodécimo é gasto somente com a folha de pessoal e os 70% dos recursos arrecadados com as custas e taxas judiciárias bancam o investimento e o custeio do TJPE. O Judiciário tem cerca de 8 mil funcionários e apresenta salários mais altos do que a iniciativa privada. Um analista judiciário pode ter um salário que varia de um inicial de R$ 5 mil até R$ 21 mil no final da carreira. O desembargador disse que não é verdade que a arrecadação própria gerou um superávit de R$ 60 milhões no ano passado.