RENDA

Salário mínimo: sem valorização, perda da massa salarial pode ser bilionária e desestimular consumo no pós-pandemia

O salário mínimo pago aos brasileiros em 2021, até então, teve acréscimo de R$ 55 sob os R$ 1.045 pagos em 2020

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 17/01/2021 às 8:00
FELIPE RIBEIRO/Acervo JC IMAGEM
FEIRA CARA Maior parte dos consumidores usa o cartão de crédito na compra de alimentos e em supermercados - FOTO: FELIPE RIBEIRO/Acervo JC IMAGEM
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Num País onde 50 milhões de pessoas dependem de um salário mínimo, mas que também mantém uma taxa de 40% de informalidade no mercado de trabalho, pensar numa política de valorização do piso pago aos trabalhadores não é uma das discussões mais fáceis de serem encerradas. Até 2018, o Brasil contava com o reajuste do salário mínimo pela inflação mais a variação do PIB dos 24 meses anteriores. A política garantiu um aumento real de quase 75% da remuneração (2004-2019), mas agora, sem legislação, não tem previsão de ser reformulada e pode representar uma perda de R$ 97 bilhões em massa salarial até 2023. Há quem entenda necessária a sua manutenção, contribuindo via consumo para o dinamismo econômico - tão necessário numa retomada face à pandemia. Entretanto, no meio do caminho são apontados entraves como o desestímulo ao mercado formal, sobretudo nos casos de contratação de mão de obra menos qualificada e mais jovem.

Fato é que o salário mínimo pago aos brasileiros em 2021, diante do que está posto até agora, não repõe nem a inflação do ano passado. Com base numa previsão do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o governo Jair Bolsonaro (sem partido) programou um aumento de R$ 55 (5,26% sobre o valor de R$ 1.045), elevando a remuneração a R$1.100. O INPC, no entanto, fechou o ano em 5,45%, o que demanda ao governo um novo reajuste (para R$ 1.102) se quiser cumprir o que manda a Constituição sobre “preservação do poder aquisitivo”.

“Interromper essa política de valorização significa, portanto, que não temos mais esse crescimento real do salário. Combinado com isso, estamos vivendo uma grave crise econômica, agravada pela crise sanitária, com desemprego maior, pressionado pela precarização e arrocho do salário. O salário mínimo valorizado é importante do ponto de vista de enfrentar a desigualdade e a pobreza, sendo necessário que em algum momento a política seja retomada. Temos uma inflação mais pesada de alimentos, e isso fez reduzir o poder de compra do salário em relação à cesta básica. Quando tinha valorização, o mínimo chegava a comprar 2,16 cestas. Hoje, é inferior a 1,6”, explica o sociólogo e ex-diretor técnico do Dieese Clemente Ganz Lúcio.

DAY SANTOS/JC IMAGEM
Vários itens da cesta básica tiveram aumento - DAY SANTOS/JC IMAGEM

     

 

Salário * Reajuste (%) * INPC (%) * Aumento real (%)

jan/10 510,00 * 9,68 * 3,45 * 6,02
jan/11 545,00 * 6,86 * 6,47 * 0,37
jan/12 622,00 *14,13 * 6,08 * 7,59
jan/13 678,00 * 9,00 * 6,20 * 2,64
jan/14 724,00 * 6,78 * 5,56 * 1,16
jan/15 788,00 * 8,84 * 6,23 * 2,46
jan/16 880,00 * 11,68 * 11,28 * 0,36
jan/17 937,00 * 6,48 * 6,58 * -0,10
jan/18 954,00 * 1,81 * 2,07 * -0,25
jan/19 998,00 * 4,61 *3,43 *1,14
jan/20 1.039,00 * 4,11 * 4,48 * -0,36
fev/20 1.045,00 * 0,58 * 0,19 * 0,38
jan/21 1.100,00 * 5,26 * 5,04 (estimativa) * 0,21

Fonte: Dieese

Pagamento do mínimo

O Brasil adota uma legislação do salário mínimo desde 1940, e pelo menos três quartos dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também têm alguma política de salário mínimo. Em si, a aplicação de uma política de valorização aconteceu por aqui nos anos 1950 e de 2004 a 2018. No período de quatro anos (2020-2023), com a extinção da política e o crescimento do PIB estimado em 7,4%, em 2023 a perda anual salarial pode chegar a R$ 1 mil, com decréscimo de R$ 97 bilhões da massa salarial nos quatro anos.

“Se não tivéssemos a política, hoje a massa salarial teria R$260 milhões a menos, porque o aumento significou esse aporte, o que incide na capacidade de consumo das pessoas, dinamizando a economia. Se a economia gira, parte desse consumo é transferida para o governo na forma de tributos. Se pensarmos em torno de 30% a 40% , no caso da base salarial, desses R$260 bilhões, cerca de R$80 bilhões ou mais voltam para o governo”, completa Ganz Lúcio.

O retorno ao governo a partir da valorização do mínimo é posto em primeiro plano porque, quando se aumenta o salário mínimo, crescem também as despesas com Benefício de Prestação Continuada (BPC), Abono Salarial e o Regime Geral da Previdência Social. Se não há um equilíbrio quanto a isso, a valorização perde seu sentido, já que não haveria garantia da capacidade do pagamento.

Período de 2020 * Salário mínimo nominal *Salário mínimo necessário


Dezembro *R$ 1.045,00 * R$ 5.304,90
Novembro *R$ 1.045,00 * R$ 5.289,53
Outubro * R$ 1.045,00 * R$ 5.005,91
Setembro * R$ 1.045,00* R$ 4.892,75
Agosto * R$ 1.045,00 *R$ 4.536,12
Julho * R$ 1.045,00 *R$ 4.420,11
Junho * R$ 1.045,00 * R$ 4.595,60
Maio * R$ 1.045,00 * R$ 4.694,57
Abril * R$ 1.045,00 * R$ 4.673,06
Março * R$ 1.045,00 * R$ 4.483,20
Fevereiro * R$ 1.045,00 * R$ 4.366,51
Janeiro * R$ 1.039,00 * R$ 4.347,61

Fonte: Dieese

Custo

Pensando também em quem paga o salário, no relatório “Competências e Empregos: Uma agenda para a juventude” do Banco Mundial, de 2018, é apontado que o salário mínimo do Brasil mostra-se alto em relação aos níveis internacionais, quando considerado seu nível em relação aos demais salários. Nos países da OCDE, o mínimo se mantém entre 45% e 50% dos salários medianos. No Brasil, a taxa chegava a 70%.

“Quando a demanda por mão de obra diminui, seu custo real idealmente se ajusta para conter o desemprego. As novas políticas de ajuste evitam que isso aconteça. Após um longo período de declínio, a proporção de trabalhadores que ganham menos do que um salário mínimo está tornando a aumentar juntamente com o desemprego. Essa elevação tem sido mais acentuada para os jovens brasileiros”, descreve o relatório.

Para o economista Edgard Leonardo Meira Lima, a relação entre produtividade e salário mínimo é uma grande questão a ser levada em conta no Brasil quando se pensa numa política de valorização. “Temos um problema que é a baixa produtividade. Num exemplo de que nos EUA um posto de combustíveis é gerenciado por duas pessoas, aqui você precisa de 15. Efetivamente o salário lá pode ser mais alto. O Banco Mundial mostra que no Brasil o salário mínimo é proporcionalmente alto em relação à renda média da população. A gente tem que lembrar que num País onde a renda média é muito baixa, um salário desse empurra todo o mundo para a informalidade”, afirma.

 

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Vários itens da cesta básica fecharam 2020 em alta - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Segundo Lima, a melhor forma melhorar o salário do trabalhador é melhorar a produtividade. “Na hora que estiver atuando numa economia que não tem entraves à produtividade, com o custo Brasil, burocracia tremenda, estrutura tributária esquizofrênica e problemas de infraestrutura. Com baixa produtividade é complicado, porque preciso ter muito funcionário e obviamente terei dificuldade para pagar o salário mínimo”, justifica o economista.

Pelas contas do Dieese, o salário mínimo necessário aos brasileiros já deveria estar em R$ 5.304,90. “Para que se tenha uma perspectiva do salário mínimo com recuperação do poder de compra, tem que ter uma política de valorização. Essa relação entre o salário pago e o ideal já teve diferença muito maior do que é hoje. Hoje está em cerca de 4,9 vezes, mas já foi de 9 vezes algum tempo atrás”, pondera o diretor adjunto do Dieese, José Silvestre.

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Vários itens da cesta básica fecharam 2020 em alta - FOTO:DAY SANTOS/JC IMAGEM
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ALIMENTOS Carestia da carne vermelha deve permanecer até 2022, o que inibe consumo pelos brasileiros, que já atingem a pior marca dos últimos 25 anos em relação à demanda pelo produto. - FOTO:FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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sociólogo e ex-diretor técnico do Dieese Clemente Ganz Lúcio - FOTO:Divulgação
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Economista Edgard Leonardo - FOTO:Divulgação

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