Anunciada como um projeto estruturador do Nordeste, a Ferrovia Transnordestina é mais um grande imbróglio difícil de resolver. Depois de 15 anos do início das obras e de receber um investimento de R$ 6,4 bilhões, continua inacabada e provocou um desagrado quase coletivo entre os políticos pernambucanos, quando o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, disse não haver mais viabilidade econômica para o ramal do empreendimento que chegaria até o Porto de Suape, argumentando que o trecho que liga Salgueiro ao Porto de Pecém, no Ceará, é economicamente viável. "Suape está crescendo muito em termos de cargas e melhorando a sua viabilidade. É muito esquisito. Ninguém sabe aonde foram buscar estes dados que Suape não é viável economicamente", comentou a economista e diretora da Ceplan Consultoria, Tânia Bacelar, ex-diretora da Sudene, ex-secretária da Fazenda de Pernambuco e uma grande especialista em desenvolvimento regional.
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"Deveriam sair os dois ramais. A Transnordestina deveria entrar na pauta do Consórcio Nordeste, porque é um projeto de política de desenvolvimento regional. É uma falsa leitura que o Ceará ganhou e Pernambuco perdeu. Perdem todos", explicou Tânia, acrescentando que a ferrovia é importante para o gesso, avicultura, frutas, "para todos os setores, porque vai contribuir para baixar o custo, principalmente no Nordeste".
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Ao ser questionado sobre quais os dados que mostram que o ramal de Suape não é viável economicamente, o Ministério da Infraestrutura informou, por e-mail, que "estão sendo realizadas atualizações dos estudos para verificação da viabilidade econômica da Transnordestina. Esses estudos indicarão se há viabilidade de conclusão do projeto com ligação aos dois portos ou se serão necessárias adequações no escopo do empreendimento".
A Transnordestina consiste num ramal ferroviário de 1753 quilômetros que começa na cidade de Eliseu Martins, no Piauí, segue até Salgueiro e depois se divide em dois ramais, um seguindo para o Porto de Pecém e outro, para o Porto de Suape. Dos R$ 6,4 bilhões gastos na implantação da ferrovia, cerca de 80% destes recursos são públicos, segundo informações do Porto de Suape. São 600 km de ferrovia espalhados pelos Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará, a partir da cidade pernambucana de Salgueiro. Caso o empreendimento não seja concluído, quem vai sair perdendo, mais uma vez, é a população, porque além de ser um empreendimento que poderia gerar empregos, também traria impacto em toda a cadeia produtiva, reduzindo o custo final dos produtos comercializados ao consumidor.
Tomando como exemplo o setor da avicultura que tem cerca de 1.500 granjas e emprega cerca de 150 mil trabalhadores com uma produção de 10 milhões de ovos por dia e 14 milhões de aves por mês. "O que mais pesa no custo de produção é a ração e o frete corresponde a quase metade do seu preço. Com a ferrovia, haveria uma redução de 30% do frete e isso seria muito importante para o setor", diz o presidente da Associação Avícola de Pernambuco (Avipe), Giulliano Malta. O segmento consome cerca de 200 mil toneladas de soja e milho por mês, que vem do Piauí, Maranhão e Bahia que poderiam chegar por trem.
MORTE ANUNCIADA
Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, o anúncio da construção do ramal cearense foi "uma morte anunciada" para o ramal de Suape. Há mais de cinco anos, o empresário já dizia que a Transnordestina estava se concretizando para consolidar o ramal de Pecém e abandonar o de Suape. "O interesse da concessionária era fazer Pecém e a Fiepe era a única que reclamava na época", lembrou Essinger. O JC chegou a dar algumas matérias com Essinger dizendo isso. O interesse da concessionária em fazer o ramal cearense se dá porque o grupo empresarial que está à frente da concessão da Transnordestina é cearense e, segundo alguns políticos, é dono de um terminal de cargas no Porto de Pecém.
Em Pernambuco, ocorreu um atraso nas desapropriações e também uma mudança no traçado por causa da construção da barragem de Serro Azul, na Zona da Mata. O projeto de construção da Transnordestina foi feito de uma maneira tão peculiar que havia uma igreja, nas imediações de Salgueiro, no local onde passariam os trilhos. Segundo informações do governo de Pernambuco, foi feito um desvio da igreja. Segundo o presidente do Porto de Suape, Roberto Gusmão, o governo do Estado contratou, desde o ano passado, uma empresa para fazer a atualização dos laudos das desapropriações que estão sendo colocados no sistema do DNIT. Esse problema ocorreu devido a uma pendência do governo federal, mas não foi na atual gestão, de acordo com informações de Suape. O executivo também afirmou que o novo traçado do ramal pernambucano está aprovado pela ANTT.
O outro motivo que fez as obras avançarem no sentido do Ceará foi político. Em 2014, quando Eduardo Campos (PSB) era candidato a presidente, o governo federal chegou a anunciar um avanço de 150 km da obra a partir de Missão Velha, no Ceará. Numa parte da obra do Ceará, próximo a Missão Velha, os trilhos foram colocados sobre o barro sem a estrutura necessária para aguentar o peso, como constatou a reportagem do JC em 2016. E, na época, este trecho aparecia como concluído.
NOVELA SEM FIM
A Transnordestina tem capítulos que parecem uma novela. As duas empresas que respondem pela concessão de trens no Nordeste são a Transnordestina Logística S. A. (TLSA) e a Ferrovia Transnordestina Logística (FTL). A primeira, a TLSA, foi criada para receber os investimentos, construir e operar a Ferrovia Transnordestina, e não cumpriu os prazos, tanto é que a ferrovia continua inacabada. A segunda, a FTL, recebeu a concessão da antiga Malha Nordeste, que começava em Propriá, em Sergipe, e ia até a cidade de São Luís, no Maranhão. Essa ferrovia praticamente desapareceu e hoje só está ativo um trecho de cerca de 1 mil quilômetros, entre o Ceará e o Maranhão. Ambas empresas concessionárias pertencem ao grupo do empresário Benjamin Steinbruck, sócio da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Na concessão dos trens, o poder concedente (dono da concessão) é a União e existe a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para fiscalizar as concessões. A concessão da ferrovia pelas empresas do grupo da CSN começou em 1997 no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando o serviço deixou de ser público e passou a ser ofertado por uma empresa privada. A empresa não cumpriu as metas das concessões nos governos de FHC, Lula (PT), de Dilma Rousseff (PT), de Michel Temer (MDB) e também no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Por causa do descumprimento dos contratos, a ANTT recomendou a caducidade do contrato de concessão da FTL em 23 de outubro de 2019 e do contrato de concessão da TLSA em 10 de março do ano passado por descumprimento do cronograma das obras. Segundo informações da ANTT, "esses processos foram remetidos ao Ministério da Infraestrutura para decisão do órgão responsável (Presidência da República) acerca da declaração de caducidade das duas concessões. Ainda de acordo com a ANTT, não é de competência da agência declarar a caducidade das concessões. Já o Ministério da Infraestrutura informou, por e-mail, que está analisando os pedidos de caducidade da concessão feitos pela ANTT.
Da última vez que a obra da ferrovia mais avançou foi no período entre 2009 e 2012, quando várias commodities, como por exemplo, o minério de ferro estava em alta no mercado internacional. Também houve mais liberação de recursos públicos até 2015. Desde 2017, uma decisão do TCU recomendou a suspensão de recursos públicos para as obras da ferrovia por causa de um descompasso entre o recebimento dos recursos e a execução das obras.
Mas o que o minério de ferro tem a ver com a Transnordestina ? Tudo. O minério de ferro tem que ser transportado por trem para não perder a sua competitividade. Agora, o minério de ferro está em alta de novo no mercado internacional. E os especialistas dizem que a grande carga que vai fazer a transnordestina sair do papel são as jazidas de minério de ferro, principalmente, as do Sul do Piauí.
MOBILIZAÇÃO
Os políticos pernambucanos estão se mobilizando para tentar pressionar o governo federal a não aceitar a decisão da TLSA de não fazer o ramal da ferrovia que deveria chegar em Suape. Os deputados federais Augusto Coutinho (SD) e Wolney Queiroz (PDT) estão redigindo um documento para entregar ao presidente da República, Jair Bolsonaro. Do lado oposto a este movimento, está o senador Fernando Bezerra Coelho que deu a entender, pelas informações que divulgou via sua assessoria, que o Estado não fez o necessário para atrair o ramal da ferrovia para Suape.
A afirmação do senador foi rebatida pelo presidente de Suape, Roberto Gusmão, e por vários deputados, porque o senador foi inclusive secretário de Desenvolvimento Econômico e presidente de Suape, quando a ilha de Cocaia, foi colocada, em 2010, no Plano diretor para receber o terminal de minérios da Ferrovia Transnordestina, como um terminal privativo. Isso deixaria o porto de Suape na mesma condição do de Pecém, segundo Gusmão. No entanto, essa decisão hoje depende do governo federal que dá a palavra final sobre os arrendamentos na área do porto organizado (mais próxima ao cais) devido a uma lei federal que entrou em vigor em 2013, no Governo de Dilma Rousseff (PT) e tirou a autonomia da área do porto organizado de Suape, com o governo federal passando a dar a palavra final sobre os arrendamentos nessa parte do porto.
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