Você já imaginou fazer a compra de energia elétrica similar a um pacote que você contrata para o seu celular, escolhendo a empresa que vai fornecer este serviço ? Era pra ser assim, porque as distribuidoras de energia elétrica foram privatizadas no começo dos anos 2000 e, naquela época, estava previsto a concorrência neste tipo de serviço, similar ao que ocorreu com a telefonia. Resultado: o Brasil ocupa o 55º lugar no Ranking Internacional de Liberdade de Energia Elétrica entre 56 países, ficando atrás inclusive, de vizinhos como Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru e Uruguai. Este cenário está prestes a mudar pois está tramitando, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 414/2001 que prevê a abertura deste mercado 42 meses depois que o mesmo for aprovado. A primeira consequência que isso vai trazer ao consumidor é uma conta de luz mais barata, segundo especialistas.
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Cerca de 30% do consumo de energia no Brasil já ocorre no mercado livre no qual o consumidor pode escolher a quem comprar energia. Em média, o preço de energia é 30% mais barata, no mercado livre, comparando com preço do mercado cativo, aquele em que o consumidor compra a energia de uma única distribuidora. No caso de Pernambuco, é a Neoenergia Pernambuco.
Mas por que a energia do mercado livre é mais barata ? Não existe uma única resposta, mas alguns fatores contribuem para isso. Primeiro, o risco, como por exemplo o de não ter geração hidrelétrica, é bancado pelo consumidor no mercado cativo. Num momento como o atual, isso faz diferença, porque o consumidor do mercado cativo já está pagando mais pela energia devido à bandeira tarifária vermelha, que está no patamar mais alto e vai pagar mais, no reajuste anual do próximo ano, porque o governo federal já sinalizou que a bandeira tarifária vermelha não será suficiente para pagar o custo alto da energia produzida pelas térmicas.
Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abracel), Alexandre Lopes, a bandeira tarifária é paga pelos consumidores do mercado cativo porque eles pagam os custos estabelecidos nos contratos feitos pelas distribuidoras. Elas são privadas e exploram o serviço em concessões estabelecidas pelos governos estaduais e federal. No contrato das distribuidoras, os governos (federal, estaduais) e até a agência reguladora do setor elétrico (a Aneel) permitiram que o custo a mais pela geração de energia fosse repassado ao consumidor final."A energia das distribuidoras vem de leilões que são realizados pelo governo federal desde 2004. É uma compra mais engessada com contratos de longo prazo e indexadas pelo IPCA", explica Alexandre Lopes.
No mercado livre, o consumidor escolhe a empresa da qual vai comprar o serviço e quem banca o risco do custo de energia mais alto - como está agora devido à falta de água nos reservatórios das principais hidrelétricas do País - é a empresa que faz a geração da energia. Alexandre Lopes explica que o mercado livre consegue comprar melhor, porque há competição entre os agentes e mais gestão nos contratos, embora os custos sejam - basicamente - os mesmos nos mercados livre e cativo.
Pela atual legislação, somente os clientes grandes, que consomem mais de 500 quilowatts (kW) de energia, podem escolher a empresa da qual vão comprar energia. O mercado livre é formado por dois tipos de consumidores: livres e especiais. Os primeiros devem possuir, no mínimo, um consumo de 2 mil quilowatts (kW) de demanda contratada de qualquer fonte de geração de energia. Já os especiais devem apresentar consumo igual ou maior que 500 kW e menor que 2.500 kW e só podem contratar energia gerada por fontes especiais, como: eólica, solar, biomassa pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ou hidráulica de empreendimentos com potência inferior ou igual a 50.000 kW.
Depois que o projeto 414/2021 for aprovado, há tendência é ocorrer com o serviço de energia elétrica o mesmo que ocorreu com a telefonia, que hoje apresenta uma grande diversidade de produtos ao consumidor e preços mais baixos do que na época em que o serviço era oferecido apenas por uma empresa. "A principal vantagem deve ser o preço que vai ficar mais barato. O consumidor também vai puder optar por comprar energia renovável, como a de eólica ou solar. Meu pai, por exemplo, mora em Portugal onde o mercado livre de energia e gás já é uma realidade. Primeiro, ele mudou de fornecedor porque ofereceram um desconto de 15%. Depois, mudou de novo, porque conseguiu uma empresa que manda um eletricista, caso ocorra algum problema na residência dele", conta Alexandre. Nas contas da Abracel, os consumidores do mercado livre de energia elétrica economizaram mais de 200 bilhões de reais nas contas de eletricidade nos últimos 16 anos. Eles correspondem a 33% de todo o consumo do País.
"Ou seja, essa abertura do mercado pode trazer facilidades e oportunidades ao consumidor, que pode ter um papel mais ativo na compra da energia", revela Alexandre. Ele defende que o mercado livre também é um vetor da expansão da energia elétrica. "Atualmente, 72% dos investimentos de geração que estão em construção no País têm ligação com o mercado livre. Isso significa que deste total, 62% são empreendimentos que vão destinar toda a sua energia para o mercado livre e 10% são de projetos híbridos", resume Alexandre. Híbridos são os que vão vender energia para os mercados livre e cativo.
Ainda não há previsão da votação na Câmara dos Deputados do PL 414/2018. Na segunda-feira (05), assumiu a relatoria do projeto o deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM. A reportagem do JC tentou falar com o parlamentar, mas ele não retornou pois estava em viagem pelo interior e depois disso iria para Brasília.