Na guerra de argumentos sobre de quem é a culpa pelos incessantes reajustes dos combustíveis no País, os secretários da Fazenda colocam a Petrobras no 'banco dos réus'. Nesta quinta-feira (27), o Comitê Nacional de Política Fazendária (Confaz) aprovou, por unanimidade, a prorrogação por mais 60 dias o congelamento do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) do ICMS sobre os combustíveis. O indicador responsável pelo cálculo base do imposto, já estava congelado até 31 de janeiro, completando três meses, mas será esticado até 31 de março. Além do forte componente político do ano de eleição, os Estados esperam que a Petrobras possa sinalizar com alguma solução.
A verdade é que a estatal não se abriu ao debate nos três primeiros meses de congelamento e a tendência é que repita o comportamento durante a prorrogação. "A Petrobras tem tratado a questão dos combustíveis como se o problema não fosse dela. Durante os três meses de congelamento, a estatal não sinalizou, não procurou os Estados nem os representantes do Congresso Nacional para discutir uma solução para o problema. Parece que a Petrobras é intocável, o Brasil sangrando com a inflação e a empresa não senta com ninguém para discutir", observa o secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha.
Segundo Décio, os Estados estão fazendo um gesto, mas sabem que não vai funcionar porque o petróleo e o dólar é que influenciam os preços dos combustíveis. "Desde 2018, a Petrobras mudou sua política de preços e passou a levar em conta a cotação do barril de petróleo e do dólar na composição do valor. Por isso, a expectativa é que os preços dos combustíveis vão continuar subindo na bomba. O preço do Brent nesta quarta (26) atingiu US$ 90 (enquanto em janeiro de 2021 a média foi de US$ 54,77) e o dólar vai pipocar em ano de eleição e de um cenário internacional turbulento", analisa.
Décio recorda que, antes de mudar a política de preços em 2018, a Petrobras fazia paridade com o mercado internacional apenas para a parte da produção que era importada. "Hoje 100% está atrelada ao dólar, mesmo com a produção de 60% no Brasil e a importação de 40%. Com isso, a Petrobras está tendo muito lucro. É preciso encontrar uma solução técnica, mas o debate está muito político", reconhece o secretário. Ao longo de 2021, a Petrobras reajustou a gasolina onze vezes e o diesel outras oito. Os aumentos fizeram a inflação alcançar recorde em 2021 (10,06%), em relação aos últimos anos.
Em uma nova carta sobre os reajustes dos combustíveis, os governadores dizem que apoiam o Projeto de Lei n° 1472, de 2021 do senador Jean Paul Terra Prates (PT-RN). O projeto cria um Fundo de Estabilização dos preços de combustíveis e institui um imposto de exportação sobre o petróleo bruto. Para garantir essa solução, o Congresso teria que aprovar uma PEC, porque a Constituição diz que é vetada a destinação de recursos para realização de atividades da administração tributária".
Com a criação do fundo, seria estabelecida uma escala de alíquotas progressivas do imposto de exportação incidente sobre o petróleo bruto a ser pago pela Petrobras. Em2021, a estatal desembolsou R$ 17 bilhões em royalties e R$ 15 bilhões em participação especial. Os royalties são uma compensação financeira pela exploração e pela produção de petróleo e gás natural, calculada sobre o valor da produção do campo, enquanto a participação especial é uma compensação financeira extraordinária para campos de grande volume de produção calculada sobre a receita líquida do campo produtor.
Na prática, o projeto entrega à Petrobras a responsabilidade de bancar o Fundo, que serviria de apoio quando o petróleo subisse. Vai de 0% quando o preço do petróleo fosse de US$ 40 até 20% quando passasse de US$ 60 o barril.
Uma terceira alternativa apontada pelos Estados seria voltar a dolarizar apenas a fatia que a Petrobras importa, deixando o restante da produção em moeda nacional.
No caldeirão das discussões sobre os combustíveis, o componente político é alto em ano eleitoral e as soluções são excessivamente técnicas para um consumidor de renda esmagada e exausto de tantos aumentos. Na bomba do posto de gasolina o congelamento da base de cálculo do ICMS significa quase nada e essa conversa de royalties, fundo, participação especial, paridade internacional é um palavreado sem sentido para quem precisa ver o valor da gasolina, do diesel e do gás frear.
Especialista em direito tributário do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia, Rodrigo Accioly, explica que o efeito do congelamento do PMPF é pequeno na prática. "A questão é que o PMPF está congelado em um valor muito alto. Então, por exemplo, ao invés de cobrar o ICMS sobre R$ 7,00 vai cobrar sobre R$ 6,50. No preço final isso significa centavos. De qualquer forma é uma ajuda, sobretudo do ponto de vista político, porque o governador pode dizer que está fazendo a parte dele de não adicionar uma pressão extra sobre o preço", diz.
Rodrigo afirma que, apesar de alta, a alíquota do ICMS é fixa, sendo de 27% no caso da gasolina. A questão é que o congelamento não pode ser sobre um preço menor, tem que ser sobre o patamar que estava. Por exemplo, se a gasolina aumentou 8%, esse congelamento vai representar 27% de 8%, ou seja, uma fração do aumento", calcula. Agora se o congelamento for de longo prazo de 1 0u 2 anos, o efeitos poderia ser maior, porque como os reajustes da Petrobras estão fazendo o preço escalonar, a diferença seria importante.
Na avaliação do tributarista, a tese de que a alíquota de ICMS sobre o combustível é muito alta não pode ser tratada de forma simplista ou com viés meramente político. "Na situação em que os Estados estão hoje eles não podem abrir mão de receita. A alíquota sobre o preço dos combustíveis é muito alta e isso é um fato indiscutível, mas sempre foi assim. Uma das maneiras de resolver é fazendo uma reforma tributária, com a redução da alíquota dos combustíveis sendo compensada com o aumento da arrecadação sobre outros bens para equalizar as contas do Estado", sugere Accioly.
Até aqui, o aumento dos combustíveis vem beneficiando a Petrobras e turbinado a arrecadação dos Estados e do governo Federal. Segundo a Receita Federal, em 2021, o segmento de combustíveis recolheu R$ 59,45 bilhões, 75,75% mais que os R$ 33,82 bilhões de 2020. Em Pernambuco, a arrecadação de combustíveis avançou 42,63% o mesmo período, passando de R$ 2,9 bilhões para R$ 4,2 milhões. Por esses cálculos, o consumidor foi a única parte da história que não teve qualquer vantagem com os combustíveis aumentando e corroendo a sua renda.