Pernambuco tem hoje 33 faculdades de engenharia que totalizam cerca de 99 cursos, em várias especialidades. Todos os anos, cerca de dois mil novos profissionais de diversas áreas abraçam a profissão embora a predominância seja da engenharia civil.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência, as atividades de construção criaram 244.755 vagas de trabalho em 2021 (2.017.403 admissões e 1.772.648 desligamentos). Os números dizem respeito aos profissionais de carteira assinada, mas um grande mercado para o engenheiro é o serviço público.
Porém, a abertura dos editais de concursos públicos ou seleções simplificadas geralmente jogam um balde de água gelada nos profissionais das engenharias. Tem se tornado comum que as vagas abertas apresentem uma oferta de remuneração abaixo do salário mínimo profissional da categoria, previsto na Lei Federal nº 4950-A. A legislação estipula o valor de 6 salários mínimos para contratos de seis horas diárias (o que representa hoje R$ 7.272,00) e 8,5 salários mínimos para contratos com oito horas diárias (ou seja, R$ 10.302,00) mas, na prática, a legislação quase sempre não é levada em conta.
O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE), Adriano Lucena, acredita que os editais são montados por pessoas que, muitas vezes, não reconhecem a importância da engenharia e acabam atribuindo para o engenheiro valores menores do que recebem outros profissionais que tem responsabilidade menor em uma obra. "Temos feito contatos com poder público para mostrar a importância e o valor da engenharia. Uma rodovia, uma escola, por exemplo, são obras de muita responsabilidade e que merecem total atenção do engenheiro", diz Lucena.
Toda vez que chega uma denúncia ao Crea ou quando o próprio Conselho identifica algum descumprimento na remuneração da categoria, o órgão ou o município que ofertou a vaga é notificado. A primeira abordagem é administrativa, via ofício. Caso não haja sucesso, o órgão de classe ingressa com um mandado de segurança. Das cinco ações ingressadas, no ano passado, o Crea conseguiu liminar favorável ao pagamento do salário mínimo profissional a uma vaga descrita no edital da seleção simplificada do Hemope, hemocentro que faz parte da rede estadual de saúde pública.
EDITAIS
Outro exemplo do processo seletivo que precisou da intervenção do órgão de representação de classe foi o da prefeitura do município de Itambé, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, que abriu contratação de analista de engenharia civil pagando R$ 1,8 mil. Em outras duas ações, nos editais da Autarquia de Urbanização e Meio Ambiente de Caruaru e Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, a liminar foi negada, mas o Crea-PE recorreu. Um outro mandado de segurança de uma seleção lançada pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação está sob análise.
No caso da Prefeitura de Verdejante, que abriu seleção com uma oferta de remuneração abaixo do salário mínimo profissional para engenheiro elétrico, quando foi questionada juridicamente, segundo o Crea-PE, a prefeitura excluiu o cargo do edital e a ação foi extinta. O conselho solicitou ainda, administrativamente, a retificação do valor do salário ofertado em seleções na Universidade Federal de Pernambuco, e da prefeitura de Itambé.
JUSTIÇA
O gerente jurídico do Crea-PE, Marcelo Tenório Cavalcanti, explica que primeiro são esgotados os recursos administrativos, com o envio de um ofício. Recebido o documento pela parte que ofertou a vaga, é dado um prazo de cinco dias para uma resposta. Caso não haja retorno ou haja negativa na solicitação de correção do valor, o Conselho entra com um mandado de segurança. “O que a gente precisa é tentar uma aproximação maior com esses órgãos com o intuito de demonstrar a necessidade de cumprir a lei e respeitar o salário mínimo profissional, principalmente na prestação de serviços para a sociedade”, observa Marcelo Tenório.
O presidente do Crea-PE, Adriano Lucena, é mais enfático: “O pagamento de um salário digno ao engenheiro não pode ser visto como um custo, mas como um investimento. Um investimento na qualidade do serviço e segurança para a sociedade.” Ele lembra que a lei que garante o valor da remuneração básica existe desde 1996, quando o País passava por grandes obras, com a construção de barragens, estradas e no início dos anos 2000, quando havia obras na Transposição do Rio São Francisco e nos estaleiros, por exemplo.
"Hoje, o estado não investe em infraestrutura e a iniciativa privada também não acompanha. O setor imobiliário está pressionado pelas taxas de juros elevadas e o resultado é uma oferta elevada de mão de obra com uma baixa demanda por pessoal. isto acaba pressionando os profissionais, incluindo os da iniciativa privada a aceitarem uma remuneração menor". O salário mínimo profissional também é uma obrigação do setor privado mas a alegação das empresas é a falta de recursos financeiros para remunerar a partir do salário base. “Obras de milhões precisam de profissionais qualificados e com o salário adequado, para serem bem executadas”, resume o presidente do Crea-PE.
A remuneração adequada é um problema que atinge desestimula o profissional, na avaliação do engenheiro civil, com mestrado em engenharia cartográfica, Luiz Carlos Borges. Ele é perito em avaliação e adota uma tabela dentro dos valores da Lei Federal. “Particularmente, o descumprimento da remuneração com base no salário mínimo profissional é raro na minha área. Infelizmente é uma realidade para a categoria. O Crea faz o seu papel brigando pelo coletivo e essa briga tem que ser de todos, da categoria”, declara Borges. Ele ainda observa: “a lei precisa ser cumprida”.
Para ele, a realidade econômica do País não vem contribuindo, mas não se pode abrir mão da qualidade do trabalho realizado, com a remuneração adequada. É investir milhões na realização de grandes obras públicas e economizar com o trabalho de quem projeta e executa uma obra grandiosa. “A possibilidade de dar problema é grande”, atesta Borges.
A luta pelo respeito a remuneração teve um forte embate no ano passado, com a aprovação da Medida Provisória 1040/2021, pela Câmara dos Deputados, que previa a extinção do salário mínimo profissional. O Crea-PE e os conselhos regionais, capitaneados pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), mobilizaram suas bancadas de senadores para derrubar os artigos que prejudicavam a categoria. A mobilização ocorreu também junto à sociedade que "sentiria o impacto negativo destes artigos, principalmente com a falta de segurança dos serviços prestados à população", diz o Crea-PE. Em agosto passado, o Senado votou contra as alterações e a Câmara retirou do texto original da MP o trecho que previa o fim do salário mínimo profissional.