QUESTÃO FISCAL

DÓLAR E BOLSA: o que aconteceu no MERCADO hoje, 17/11 com PEC e TRANSIÇÃO de LULA

No fim do dia, veio a notícia de que o ex-ministro Guido Mantega pediu renúncia do grupo técnico de Orçamento e Planejamento

Cadastrado por

Lucas Moraes

Publicado em 17/11/2022 às 19:58
MERCADO AINDA REAGE A PASSO DA EQUIPE DE LULA - Marcello Casal JrAgência Brasil

Estadão Conteúdo

O dólar à vista encerrou a sessão desta quinta-feira (17) a primeira após a apresentação da minuta da chamada PEC da Transição ao Congresso Nacional, acima da linha de R$ 5,40, mas longe dos níveis observados pela manhã, quando chegou a superar R$ 5,50 e registrou máxima a R$ $ 5,5298 (+2,75%).

Depois de rodar entre R$ 5,44 e R$ 5,45 pela maior parte da tarde, a moeda spot renovou mínimas na reta final do pregão, quando desceu até 5,4012 (+0,36%), em meio a uma pressão vendedora no mercado futuro, que levou o contrato da divisa para dezembro a operar pontualmente em baixa. No fechamento, o dólar à vista era cotado a R$ 5,4017, em alta de 0,37%.

Segundo profissionais do mercado, após um rearranjo de posições mais forte no início dos negócios, investidores buscaram uma acomodação e promoveram ajustes para realização de lucros pela tarde. Também pode ter tirado fôlego da moeda americana a possibilidade crescente de desidratação da PEC ao longo da tramitação no Congresso.

No fim do dia, veio a notícia de que o ex-ministro Guido Mantega, de credenciais desenvolvimentistas e um dos pais da Nova Matriz Econômica no segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, pediu renúncia do grupo técnico de Orçamento e Planejamento do governo de transição. Outro ponto que chamou a atenção dos operadores nos últimos minutos de negociação foi o fato de o coordenador de grupos temáticos da equipe de transição, o ex-ministro Aluizio Mercadante, ter acenado, em entrevista, com revisão de subsídios e redução de despesas.

Na PEC, o governo propôs um 'waiver' de R$ 175 bilhões para o Bolsa Família e de cerca de R$ 23 bilhões de "receitas extraordinárias" para investimentos - levando as despesas fora do teto de gastos a R$ 198 bilhões. Mais: os R$ 105 bilhões que estavam no orçamento (dentro do teto) para dar conta do Auxílio Brasil de R$ 400 neste ano agora vão para aumento do salário mínimo e outros programas sociais. Cotado para ser relator da PEC, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) defende que os recursos para bancar o Bolsa Família fiquem fora do teto de gastos só em 2023, segundo apurou o Broadcast Político.

O real entrou em rota ascendente nos últimos dias à medida que se consolidava a ideia de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a furar o teto para garantir promessas de campanha sem propor agora uma nova âncora fiscal. Do Egito, onde participa da COP27, Lula voltou a defender hoje meta de crescimento e minimizou o azedume dos mercados, que atribui à ação de especuladores. "Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não tira um centavo do sistema financeiro", disse Lula. "Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar vai aumentar? Paciência."

Para a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, o texto da PEC, embora apresente um 'waiver' maior que o esperado pelo mercado, "não tem nada de absurdo" e está "em linha com a sustentabilidade do Estado" brasileiro. "É algo que, embora não seja palatável no curto prazo pelo mercado, é palatável para a economia brasileira e é necessário para a economia brasileira", disse Argenta, que vê esse período de queda dos preços dos ativos domésticos como uma correção após o rali no pós-eleições, com especulação sobre quem ocuparia o ministério da Economia.

Segundo Argenta, o mercado tem consciência de que se trata de um movimento especulativo. "E esses movimentos acontecem no superlativo, tanto para cima, quanto para baixo. Até nós termos um desenho dessa política fiscal que acontece a partir de 2024, esse período de incógnita, de esquizofrenia no mercado, tente a continuar", disse a economista.

 

É de se levar em conta que, pelo menos hoje, a moeda brasileira não apanhou sozinha. Tampouco amargou as piores perdas entre seus pares. O dólar subiu em relação à ampla maioria de moedas fortes e emergentes, em meio a novo tombo dos preços das commodities. Voltaram à baila temores de uma recessão nos países desenvolvidos em 2023 em razão do aperto monetário para conter a inflação.

O índice de preços ao consumidor (CPI) na zona do euro avançou 10,6% na comparação anual em outubro, novo recorde, após 9,9% em setembro. Nos EUA, o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, falou duro e tratou de esfriar apostas de que o BC americano, além de desacelerar o ritmo de alta dos juros para 50 pontos-base em dezembro, estaria se preparando para uma pausa no aperto monetário. 

BOLSA DE VALORES

Embora tenha conseguido moderar significativamente o ajuste no fim da tarde, o Ibovespa se manteve em modo de correção pelo segundo dia, reagindo à apresentação da PEC da Transição, na noite anterior, com gasto extrateto acima do que vinha sendo precificado pelo mercado. Hoje, a referência da B3 fechou em baixa de 0,49%, a 109.702,78 pontos, entre mínima de 107.245,13, menor nível intradia desde 29 de setembro, e máxima de 110 241,80, quase idêntica à abertura, aos 110.240,66 pontos. O nível de fechamento desta quinta-feira também foi o menor desde 29 de setembro, então aos 107.664,35.

Na semana, as perdas do índice chegam agora a 2,27% e, no mês, a 5,46%, limitando a alta do ano a 4,66%. Ainda reforçado neste dia seguinte ao vencimento de opções sobre o índice, e véspera de vencimento de opções sobre ações, o giro financeiro foi a R$ 47,6 bilhões na sessão, com um número razoável de papéis da carteira Ibovespa reagindo para chegar ao fim do dia no campo positivo - em certo momento, no meio da tarde, apenas as ações do Bradesco conseguiam se descolar da correção.

Considerando o fechamento da quarta-feira, 9, dia anterior à fala inicial do presidente eleito Lula (PT) contra a estabilidade fiscal, então aos 113.580,09 pontos, o Ibovespa acumula perda de quase 3,9 mil pontos - no pior momento da sessão de hoje, esse ajuste chegava a 6,3 mil pontos. Após o mergulho de 3,35% na quinta passada, sucedido por duas altas e duas baixas até aqui, está agora apenas 72 pontos abaixo do nível de ajuste inicial à fala de Lula - no pior momento da sessão de hoje, a diferença, para baixo, era de 2,5 mil pontos.

Este saldo negativo adicional, embora muito moderado ao longo da tarde após pressão que havia se imposto desde a manhã, é creditado ao desdobramento da noite de ontem, quando foi apresentada a PEC da Transição, trazendo rompimento do teto além do que vinha sendo precificado pelo mercado, o que se refletiu também no câmbio e na curva de juros nesta quinta-feira. Novas declarações de Lula, reiterando a dicotomia entre "responsabilidade fiscal" e "responsabilidade social", contribuíram para manter o investidor na defensiva, após o benefício da dúvida que havia sido concedido logo após o resultado do segundo turno, em 30 de outubro.

No melhor momento deste período pós-eleitoral, o Ibovespa chegou aos 118.155,46 pontos, com máxima intradia naquela sessão a 120 039,37, no dia 4 de novembro. Considerando a máxima e a mínima intradia desse intervalo de pouco menos de duas semanas, a variação negativa chega a quase 12,8 mil pontos.

"O mercado ficou bastante estressado pela incerteza fiscal, após a apresentação da PEC da Transição. Ainda há falta de clareza em relação aos gastos públicos no ano que vem, o que é agravado pelas falas do presidente eleito Lula sobre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, como se fossem incompatíveis" observa Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos. Ele destaca também o contexto externo ainda desafiador, com novas declarações de autoridades do Federal Reserve indicando a continuidade do ciclo de aperto nos juros na maior economia do mundo, além da inflação ao consumidor na zona do euro em máximas históricas, conforme dados divulgados nesta quinta-feira.

O presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, afirmou à Bloomberg que as taxas de juros do Fed devem ser elevadas para a casa dos 5% a 5,25%, para conter a inflação mais alta em quase 40 anos, nos Estados Unidos. "Após os fortes números sobre o varejo americano, com demanda aquecida, as declarações do Bullard foram como um balde de água fria para o mercado, ao observar que os aumentos de juros, até agora, tiveram apenas efeitos limitados na inflação, e que o BC dos Estados Unidos precisa continuar aumentando os juros, em pelo menos mais um ponto porcentual", diz Dennis Esteves, especialista em renda variável da Blue3.

Aqui, a expectativa dos investidores se volta agora para a atuação do Congresso, especialmente da Câmara, sobre a PEC, no sentido de que possa haver alguma desidratação, com redução do valor extrateto da casa de R$ 200 bilhões para R$ 160 bilhões, apontaram fontes ouvidas pelo Broadcast nesta quinta-feira. A torcida por desidratação da PEC ao longo da tramitação no Congresso contribuiu para que o Ibovespa moderasse perdas em direção ao fechamento da sessão, de baixa discreta também em Nova York nos três índices de referência. Relato de que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em carta, renunciou a participar do grupo técnico de planejamento e orçamento, da equipe de transição, também contribuiu para reduzir a percepção de risco no fim da tarde - perto do fechamento, houve confirmação oficial.

Cotado para ser o relator da PEC, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) defende que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos só em 2023, segundo apurou o Broadcast Político Pela sugestão de texto da PEC apresentada ontem ao Congresso pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, o programa social seria retirado das regras fiscais por tempo indeterminado. O PT sabe, contudo, que vai ter de negociar um prazo de validade para a medida, e aposta em quatro anos.

O Banco Central terá que eventualmente rever a estratégia de manutenção da taxa de juros caso a expectativa de inflação mostre desancoragem à frente, avaliou hoje o sócio-fundador da Oriz, Carlos Kawall, durante participação em evento promovido pelo Estadão. No momento, porém, ainda há bastante indecisão sobre o cenário fiscal, com expectativa de que a PEC da Transição não seja aprovada nos termos atuais pelo Congresso, ponderou Kawall.

A minuta da PEC, detalhada ontem por Alckmin, mostra que o novo governo está "aumentando a aposta" e ignorando a preocupação do mercado com a sustentabilidade fiscal no médio prazo, avalia o Goldman Sachs. "Despesas de R$ 200 bilhões acima do teto de gastos (aproximadamente 2% do PIB estimado para 2023) formam um montante muito significativo, que provavelmente levaria a um déficit primário em 2023 próximo de 2% do PIB", escrevem os analistas Alberto Ramos, Sergio Armella, Santiago Tellez e Renan Muta, em relatório. "Além disso, uma vez isento do teto, o programa poderia, e provavelmente vai, crescer mais nos próximos anos."

"Há um estresse fiscal enorme com a PEC da Transição, que talvez nem seja de transição, mas sim permanente, com gasto bastante elevado acima do teto, em quase R$ 200 bilhões por ano, o que resultaria em aumento de dívida bastante forte", observa Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. "Ainda que não seja líquido e certo, na medida em que precisa ainda passar pelo Congresso, o número veio acima do esperado. O bode foi colocado na sala", acrescenta o economista, chamando atenção em especial para o efeito sobre a curva de juros, com o mercado já embutindo alta na Selic para o ano que vem, quando antes se esperava corte para 2023.

Assim, na B3, como ontem, setores mais sensíveis a juros estiveram entre os mais penalizados nos piores momentos da sessão de hoje, como os de varejo e construção. Na ponta de perdas nesta quinta-feira, destaque para Qualicorp (-10,60%), Alpargatas (-6,55%), BRF (-6,53%) e 3R Petroleum (-6,19%), em sessão de forte queda para as cotações da commodity. Com o dia negativo tanto na frente doméstica como na externa, o índice de consumo fechou com perda de 1,36% (no meio da tarde, cedia 3,73%) e o de materiais básicos, em baixa de 0,97% (após ceder 2,20% no meio da tarde). Carros-chefes das commodities na B3, Petrobras ON e PN fecharam hoje, respectivamente, em baixa de 0,77% e leve alta de 0,04%, enquanto Vale ON subiu 0,80%.

Entre os grandes bancos, Bradesco ON e PN, ações que haviam sido muito penalizadas desde o balanço trimestral da instituição financeira, subiram hoje 1,46% e 2,17%, e Itaú PN, 0,61%, conseguindo se descolar das perdas do setor, que chegaram a 2,13% (BB ON) no fechamento. As duas ações do Bradesco, por sinal, estiveram entre as poucas do Ibovespa que, desde mais cedo, conseguiam se descolar da aversão a risco, com destaque também no encerramento para Weg (+2,17%), Ultrapar (+1,94%) e Magazine Luiza (+1,80%).

"Volatilidade no câmbio e na Bolsa, com muita coisa acontecendo no cenário doméstico e externo. A PEC da Transição ainda deixa a impressão de cheque em branco para o próximo governo, para cumprir as promessas de campanha sem a âncora fiscal. Gastos públicos que geram preocupação quanto à relação dívida/PIB, no curto como no longo prazo, o que se reflete no dólar e na curva de juros, chegando a 14,50% em alguns pontos, com o mercado já sinalizando cenário de alta (para a Selic)", diz Helder Wakabayashi, analista da Toro Investimentos, destacando em particular, na B3, o efeito deletério para ações de empresas com maior necessidade de capital ou muito endividadas.

 

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