As vinícolas gaúchas Aurora, Garibaldi e Salton assinaram acordo judicial e terão que pagar indenização de R$ 7 milhões após acusações de manter mais de 200 trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Leia nesta matéria:
- Vinícolas gaúchas acusadas de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão
- Diferença entre trabalho análogo à escravidão e trabalho escravo
- Indenização às vítimas
- Pronunciamento das vinícolas
VINÍCOLAS GAÚCHAS ACUSADAS DE MANTER TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO
Operação em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, encontrou mais de 200 homens contratados para trabalhar na colheita de uvas foram resgatados de alojamento onde eram submetidos a condições análogas à escravidão.
De acordo com os órgãos que participaram da operação, os trabalhadores foram enganados após receberem promessas de salário de R$ 4 mil, além de alojamento e refeições por conta dos contratantes.
O resgate das vítimas foi feito após três delas terem ido à Polícia Rodoviária Federal, em Caxias do Sul, alegando que haviam fugido do local e que tinham mais pessoas sendo mantidas no alojamento contra a vontade.
Foram resgatados 207 homens que haviam sido recrutados na Bahia pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviço para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton.
As vítimas tinham que trabalhar de domingo a sexta-feira, das 5h às 20h, sem pausas. Também foi relatado violência com os trabalhadores, com surra com cabo de vassoura, choques elétricos, uso de spray de pimenta etc.
A empresa Fênix dava comida estragada aos trabalhadores e só permitiam que comprassem comida em um mercado próximo ao alojamento com preços superfaturados.
No começo, os trabalhadores alegam que tinham a promessa de receber R$ 4 mil depois de 45 dias, mas o dinheiro sempre era descontado coisas que não tinham sido combinadas previamente.
DIFERENÇA ENTRE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO E TRABALHO ESCRAVO
Para que fosse possível denominar a prática como "trabalho escravo", porque a escravidão precisaria ser reconhecida pela sociedade e pelo Estado brasileiro e não é. Formalmente, o trabalho escravo foi abolido no Brasil desde 1888. Antes disso, a escravidão era permitida e apoiada pelo Estado.
Por isso, considera-se que não existe mais escravidão no Brasil e o termo correto para situações como as das vinícolas gaúchas é "trabalho análogo à escravidão".
INDENIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS
O montante de R$ 7 milhões vai ser pago às 207 vítimas resgatadas das condições análogas à escravidão.
O valor da indenização foi definido em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), definido pelo Ministério Público do Trabalho.
A indenização vai corresponder pelos danos morais individuais e coletivos. O prazo para o pagamento é de 15 dias.
Além do dinheiro, as vinícolas terão que cumprir com 21 obrigações listadas pelo Ministério Público do Trabalho.
Entre as obrigações estão a determinação de abstenção de participação na prática de aliciamento de trabalhadores, contratação de mão-de-obra legalizada, fiscalização garantida da condições oferecidas por terceirizados e assinar a carteira de trabalho de todos os trabalhadores que forem trabalhar nas empresas.
PRONUNCIAMENTO DAS VINÍCOLAS
AURORA
"A Vinícola Aurora segue atuando em diversas frentes na implementação das melhores práticas trabalhistas, sociais e, principalmente, humanas na empresa e em sua cadeia produtiva.
A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho é mais um passo no sentido de reparar os danos aos trabalhadores temporários, bem como assegurar o comprometimento da empresa com medidas permanentes de promoção de condições dignas e seguras no trabalho.
À sociedade brasileira, a Aurora reafirma seu compromisso de aperfeiçoar cada vez mais os processos produtivos e mecanismos de fiscalização, garantindo aos trabalhadores, diretos e indiretos, uma jornada com segurança, salubridade, treinamento adequado e respeito".
GARIBALDI
"A Cooperativa Vinícola Garibaldi, por meio da assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, ocorrida nesta quinta-feira, 9 de março, reafirma seu compromisso, perante a sociedade brasileira e a cadeia vitivinícola, de atuar de forma efetiva no cumprimento e na exigência de práticas que respeitem os direitos humanos e trabalhistas.
Além de reforçar o repúdio ao episódio e a solidariedade para com as vítimas, a adesão ao documento é uma demonstração da nossa responsabilidade social e um movimento concreto para garantir que essa situação seja resolvida da melhor forma e, principalmente, jamais se repita.
Ressaltamos que já foram adotadas práticas internas anunciadas no início desta semana, que incluem o aprimoramento da política de contratação de serviços terceirizados em questões de integridade (compliance) e alterações no processo de seleção de prestadores de serviço, com auditorias sistêmicas na execução dos trabalhos. Também está em andamento a inclusão de cláusulas contratuais em respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Nossa trajetória é de muito trabalho e dedicação, construída por gerações de pequenos produtores, e seguiremos comprometidos com as melhores práticas, respeitando nossos compromissos com a sociedade".
SALTON
"A Vinícola Salton firmou, nesta quinta-feira (09/03), acordo com o Ministério Público do Trabalho para reparar danos causados a trabalhadores e à sociedade, em função de resgate ocorrido nas dependências da empresa Fênix Serviços Administrativos, flagrada mantendo trabalhadores em condições degradantes em um alojamento em Bento Gonçalves. A Salton contratou 14 trabalhadores desta prestadora de serviços para carga e descarga de caminhões de uva na safra 2023.
Os termos do acordo, assinado pelas vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, reforçam que as empresas concordaram voluntariamente com o pagamento, sob a forma de indenização, no valor de R$ 7 milhões, a ser rateado pelas empresas. Além de compor o fundo dos trabalhadores resgatados, o valor será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a reparação dos danos sociais causados, a serem oportunamente indicados pelo Ministério Público do Trabalho.
A Salton ressalta que assinatura voluntária deste termo tem o intuito de reforçar publicamente seu compromisso com a responsabilidade social, boa-fé e valorização dos direitos humanos, bem como a integridade do setor vitivinícola gaúcho.
A Salton e as demais vinícolas construíram conjuntamente com o Ministério Público do Trabalho procedimentos para fortalecer a fiscalização de prestadores de serviços para evitar que episódios lastimáveis voltem a ocorrer. Além disso, o acordo prevê, também, ampliar boas práticas com relação à cadeia produtiva da uva junto aos seus produtores rurais.
Por fim, o acordo se encerra com a declaração de que sua celebração “não significa e não deve ser interpretada como assunção de culpa ou qualquer responsabilidade” por parte das vinícolas pelas irregularidades constatadas na empresa prestadora de serviços Fênix Serviços Administrativos.
A Salton reforça que cumprirá prontamente as determinações do acordo e reitera que atuará ainda em frentes adicionais já apresentadas em nota pública, tais como revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas; contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social; adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, entre outros.
A empresa reitera que repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social. A Salton a procura reafirmar com este acordo a sua não omissão diante deste doloroso fato, a sua demonstração genuína de amparo aos trabalhadores e à sociedade e o seu dever moral e legal em assumir uma postura mais diligente em relação aos seus prestadores de serviços".