A pandemia provocada pelo novo coronavírus não tem impedido a população recifense de bater a sua tradicional 'pelada'. Não é difícil encontrar em alguns bairros da Região Metropolitana do Recife as pessoas desrespeitando o decreto do Governador do Estado, de isolamento social como medida sanitária preventiva, e se aglomerando em quadras públicas para correr atrás da bola. A reportagem do Jornal do Commercio recebeu várias denúncias sobre a realização de práticas esportivas nesse período de pandemia, colocando em risco a vida de toda comunidade.
Um dos locais que vem sendo alvo de tal irregularidade é a quadra localizada na Praça Professor Barreto Campelo, no bairro da Torre. Por sinal, o bairro da Zona Oeste do Recife aparece nos dados do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs) da prefeitura como o segundo com maior número de casos confirmados da covid-19 na cidade: 11 casos e três óbitos. O JC esteve no local e presenciou a realização da partida de futebol que ocorria na quadra e também no campo do Bueirão, no final de tarde da última quarta-feira (8). "Essa pelada ocorre todos os dias. Nos finais de semana é ainda pior, pois aparece mais gente para jogar. Vem o pessoal da comunidade Santa Luzia, na Torre, e do Cardoso, na Madalena. A quadra fica lotada", relatou um morador do bairro que preferiu não se identificar.
O mais curioso é que, no início da Praça Professor Barreto Campelo, existe um Posto de Policiamento Ostensivo (PPO) - um trailer da Polícia Militar -, mas que não é suficiente para coibir a prática esportiva. "Nós não podemos abandonar o nosso posto e ir até a quadra ou aí no campo do Bueirão (que fica ao lado da praça) acabar com a pelada. Só através de uma denúncia no 190, que a viatura vem e faz a abordagem", declarou um PM à reportagem, mas sem autorizar ser identificado.
Procurada pelo JC, a Secretaria de Defesa Social (SDS), através de sua assessoria de imprensa, informou que "tem empregado o efetivo de segurança, incluindo as polícias Militar, Civil e Corpo de Bombeiros, além do apoio das guardas municipais e diretorias de controle urbano das prefeituras, nas ações de fiscalização contra aglomerações, incluindo as atividades esportivas, como as peladas de futebol, corridas, caminhadas e pedaladas em áreas proibidas, como faixas de areia, calçadões e ciclovias". Além disso, a SDS reforçou que 'as denúncias e reclamações de descumprimento das determinações do Governo de Pernambuco para conter a pandemia do novo coronavírus podem ser feitas através do telefone 190 - 24h por dia e todos os dias da semana -, e que desde 18 de março até 9 de abril, o Centro Integrado de Operações de Defesa Social (Ciods) recebeu 11.938 chamados com denúncias de aglomerações durante a quarentena no Estado'.
Na Zona Norte do Recife, no bairro de Campina do Barreto, o JC também flagrou uma outra 'pelada', desta vez, de basquete. Na quadra localizada na Praça Rádio Capibaribe, na rua Cel. Urbano Ribeiro de Sena, seis garotos - três em cada time - disputavam uma partida com bastante contato, aumentando a chance de contágio do coronavírus. Enquanto isso, outros esperavam do lado de fora para jogar, sem o menor medo dos riscos. Nem mesmo a presença do carro da reportagem inibiu os jovens, que seguiram jogando normalmente.
A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer do Recife (Seturel), comunicou que 'que interrompeu as atividades em todos os campos e quadras que estão sob sua responsabilidade. Sempre que possível, os equipamentos foram trancados para evitar o uso. A Seturel também emitiu comunicados para os usuários dos espaços, orientando sobre a necessidade do isolamento durante a pandemia da Covid-19. No caso dos equipamentos que são de uso livre pela comunidade e não podem ser fechados, a gestão municipal conta com a colaboração da população para respeitar as orientações sanitárias e evitar aglomerações, lembrando que por determinação de Decreto Estadual e Municipal, eventos que reúnam mais de 10 pessoas estão proibidos, bem como o acesso a parques e praias'.
Apesar de ser um bairro pacato, sem muita movimentação, o Torreão se transformou num oásis para quem não está seguindo as orientações das autoridades sanitárias e as descumprem deliberadamente para praticar esportes. Na ronda feita pela reportagem, encontramos dois pólos irregulares de prática esportiva: o primeiro, na rua Prof. Othon Paraíso, cerca de 50 pessoas transformaram a ciclofaixa que vai da Rua Marechal Deodoro até a Avenida Agamenon Magalhães numa grande pista de cooper, com corredores indo de um lado para o outro; uns seguindo individualmente, enquanto que outros estavam em grupos de três, quatro, mas todos próximos um do outro. "Com os parques e as pistas nas orlas das praias fechadas pelo Estado, as pessoas estão procurando alternativas para correr. Cada dia que passa tem mais gente nessa rua", disse o diretor comercial Joan Albertin, morador do bairro e mostrando um ar de preocupação com o crescimento do número de pessoas que estão deixando o isolamento.
Em alguns metros dali, na Praça Augusto Rodrigues, localizada na rua de mesmo nome, cerca de 20 garotos estavam concentrados na quadra, onde ocorriam partidas de futebol em barrinha. Ao posicionar o carro na esquina da rua para fazer registros fotográficos, a equipe do JC foi ameaçada pelos 'peladeiros': "Vai filmar aqui não, viu. É bom vazar...", gritou um dos garotos em tom de ameaça. Durante o período que circulou pelo bairro, a reportagem não encontrou nenhuma viatura policial fazendo ronda para proibir o aglomeração de pessoas.
De acordo com a Procuradoria Geral do Estado, 'todo evento que descumprir as medidas de restrição de circulação previstas nos decretos estaduais será alvo de investigação policial e os responsáveis podem ser enquadrados no artigo 268, do Código Penal (Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, com pena de detenção de um mês a um ano, além de multa)'. Já segundo dados apresentados pela Secretaria de Defesa Social, desde o início da quarentena, cerca de 158 pessoas foram conduzidas para delegacias e autuadas pelo crime previsto no artigo 268 do Código Penal (mencionado anteriormente).
Mesmo Pernambuco registrando mais de 700 casos confirmados da covid-19 e mais de 60 mortes pela doença, os moradores da comunidade de Santo Amaro parecem não demonstrar medo de a pandemia do novo coronavírus se espalhar pelo bairro. No campo de areia localizado logo após o viaduto que por cima da Avenida João de Barros, nas proximidades da Reitoria da UPE, mais de 30 jovens se acirravam atrás da bola e, assim como na Torre, apesar da existência de um Posto de Policiamento Ostensivo (PPO) - um trailer da Polícia Militar - ao lado, nada foi feito para a interrupção da partida.
Após solicitação de um posicionamento sobre as peladas que vêm ocorrendo no Recife, a secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco reforça 'o direcionamento do Governo do Estado, através de decreto, sobre a proibição de aglomeração de pessoas. A pasta reforça a importância da medida, que busca, através do isolamento social, evitar a propagação da covid-19 em Pernambuco'.
Nem mesmo os idosos - do grupo de risco - estão levando em consideração às orientações das autoridades sanitárias. Muitos deles estão abandonando o confinamento de casa em busca do simples prazer de estar em convivência social e participar de jogatinas. Na Avenida Norte, na entrada do bairro de Nova Descoberta, as partidas de dominó e de carteado seguem ocorrendo normalmente no tradicional ponto de táxi da localidade. Um idoso que esperava a sua para jogar, alertou os colegas sobre a presença da equipe do JC. "Olha, o pessoal da TV Jornal está filmando a gente", gritou o senhor confundindo os veículos, mas incomodado porque a irregularidade estava sendo registrada.