Talento não tem cor. Não tem preconceito. Não escolhe raça, credo, etnia ou gênero. Apenas nasce dentro de cada um. Mas, infelizmente, ao longo da carreira, muitos atletas pretos não são julgados pelo seu talento ou trabalho. Para alcançar as conquistas, a maioria deles tiveram de superar não só os adversários, mas também o racismo e a discriminação por ter a pele preta. E, em meio às discriminações vividas diariamente, o que eles simplesmente gostariam é o que diz uma das músicas do rapper Mano Brown: "Queremos ser iguais. Racistas otários, nos deixem em paz". Igualdade e paz que nem sempre foram vivenciadas na trajetória esportiva de atletas pretos, sendo obrigados a caminhar lado a lado com racistas.
Ídolo do Santa Cruz e artilheiro do Brasileirão de 1973, Ramon Ramos relembrou de um episódio lamentável que vivenciou quando treinava o Ferroviário, do Ceará. "Eu já era técnico e, em um jogo no estádio Presidente Vargas, um torcedor me xingou: 'Eu não sei pra que a Princesa Isabel libertou esses negros. Se ela não tivesse libertado, esse negro não era treinador do meu time'. Aquilo mexeu comigo. Respondi de forma pesada também, mas não posso reproduzir o que falei na época", declarou o ex-centroavante, lamentando a agressão sofrida. Outro ex-atleta do Santa Cruz que sofreu com atitudes racistas dentro de campo foi Zé do Carmo. "Assim que cheguei em Portugal, para jogar pela Acadêmica de Coimbra, já nos primeiros dias escutei de um torcedor: 'Negro filho da p... O que veio fazer aqui em Portugal? Estava passando fome lá no Brasil?'. Por mais negros que lá tivessem, existia esse preconceito", relembrou o ex-volante. Quem também sofreu no país europeu foi Geraldo, ex-meia de Sport e Náutico. "Em Portugal, quando jogava no Vitória de Guimarães, teve um jogo que quando os pretos pegavam na bola, a torcida adversária gritava 'uh, uh, uh' (imitando som de macaco). Dizer que não doi é mentira. Não é normal acontecer isso", contou.
Infelizmente, os ataques contra os atletas pretos ainda são comuns no Brasil, mesmo a população brasileira sendo bastante miscigenada. "Claro que não posso generalizar todas as pessoas, mas, quando fui jogar no Sul, contra o Juventude, na semifinal da Série C do ano passado, ocorreram incidentes com os torcedores em Caxias do Sul. Eles são preconceituosos. Outra vez que enfrentei o Brasil de Pelotas lá, assim que subimos para o aquecimento, um torcedor do alambrado gritou pra mim e meus companheiros: 'bando de macacos'. Denunciei para o segurança do estádio, mas ele nem ligou. Não deu a mínima", lamentou Jhonnatan, volante do Náutico, a impunidade ao torcedor racista. Nas competições continentais, os jogadores pretos vão literalmente para uma guerra. "Na Sul-Americana e na Libertadores acontece sempre (xingamentos racistas). Sempre que vamos jogar fora do Brasil, eu e outros companheiros enfrentamos isso: tanto com jogadores nos xingando, quanto torcedores", relatou Patric, lateral do Sport, que também já sofreu discriminação racial fora dos gramados. "Entrei numa loja com minha mãe pra comprar um boné e pedi pra atendente para experimentar, mas ela, que era de cor clara, me ofereceu pra ver uns mais baratos, dizendo que ia ficar mais 'ajustável' no meu bolso. Fiquei sem acreditar. Foi quando o dono da loja me reconheceu, veio me cumprimentar porque eu jogava no time que ele torcia. Depois disso, a vendedora mudou de conversa e passou a me tratar bem, mas eu agradeci e fui embora".
Principal fundista pernambucano e detentor de várias medalhas para o Estado, o pacato e tímido Ubiratan dos Santos mal costuma sair do seu sítio localizado no povoado de Cuieiras, em Igarassu, mas quando precisa viajar para disputar as competições, sente na pele olhar discriminatório da sociedade. "Quando eu viajo para competir, percebo as pessoas me olhando de lado no aeroporto. Essas pessoas de classe alta, empresários... Quando passo, elas já saem logo de perto. Isso é muito chato. Abala muito", relatou o corredor de 39 anos, que nunca baixou a cabeça para os indiferentes. "Eu tenho orgulho da minha cor e respeito todo ser humano", contou Ubiratan. Quem também é acostumado a viajar bastante é o zagueiro Célio Santos, que ao longo da carreira atuou em nove países diferentes, mas confessa que o único lugar que sofreu com o racismo foi no Brasil. "Eu joguei em países como Rússia, Ucrânia, Irã, China... Onde não se vê preto nas ruas, nenhum negrão na rua, e nunca sofri nada. Já aqui no Brasil basta ir na esquina que você percebe algum tipo de preconceito", desabafou o atleta do Santa Cruz.
Eleito três vezes o melhor do mundo no futsal, o pernambucano Manoel Tobias recriminou veementemente o racismo, mas reforçou que nunca permitiu que qualquer tipo de discriminação o impedisse de alcançar os seus objetivos. "Não é pra ter racismo nunca. Nem agora, nem no passado e nem no futuro. Mas a gente sabe que existe. Eu percebia, sim, algumas atitudes racistas comigo, mas graças a Deus foram poucas. E, as que ocorreram, nunca deixei me influenciar por isso. Não deixei penetrar na minha mente e sempre busquei passar por cima de tudo", contou o ex-salonista. Já o ex-goleiro Nilson, quando defendia o Santa Cruz, chegou a ser alvo de ataques racistas por parte da torcida do Náutico - imitava o som de macaco quando ele pegava na bola - diz não se abalar mais com as discriminações raciais, mas repreende os racistas. "Eu acho ridículo o racismo. Eu sirvo a um Deus que não é racista e me aceita como sou, Negro. Isso é a minha felicidade", disse o atual técnico do Decisão, para depois enumerar vários atletas pretos que são ou foram dominantes em seus esportes. "Olha Michael Jordan, Kobe Bryant, Pelé. Como assim preto não presta? Temos o Rei do futebol até hoje. Já se passaram décadas e ninguém o desbancou. No golfe, o melhor de todos é Tiger Woods. Na Fórmula 1, o último campeão é preto (Lewis Hamilton, hexacampeão). Falar mais o quê?", finalizou.