TRANSMISSÕES

Especialista avalia MP das transmissões: 'fragmentação não é o caminho e exclusividade também não'

A reportagem do Jornal do Commercio conversou com Lucas de Paula, sócio fundador da Outfield Consulting, uma empresa especialista no tema e que vem acompanhando os desdobramentos do assunto

Lucas Holanda
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Lucas Holanda
Publicado em 12/07/2020 às 8:00 | Atualizado em 12/07/2020 às 12:51
MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC
CLÁSSICO Flamengo e Fluminense se enfrentam pelo Campeonato Carioca. - FOTO: MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC

Desde que o presidente Jair Bolsonaro assinou a Medida Provisória 984 no último dia 18 de junho, as discussões sobre o documento ganharam força nos debates diários no futebol brasileiro. O principal ponto da medida é o fato de que as negociações para transmissão dos jogos se tornem exclusividade do time mandante, sem a necessidade do aval do visitante. No entanto, se a MP - que tramita na Câmara dos Deputados - for aprovada, a massificação da medida só será possível a partir de 2024, ano em que acaba o contrato de grande parte dos clubes com a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.

Recentemente, o Fla-Flu da final da Taça Rio gerou muita polêmica. Isso porque o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ) tinha decidido pelo compartilhamento da transmissão da partida entre os dois clubes, mesmo o Fluminense sendo o mandante da partida. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça Despostiva (STJD) derrubou essa liminar e apenas o Tricolor transmitiu o clássico no seu próprio canal do Youtube: FluTv. Vale lembrar que a Rede Globo, detentora do Campeonato Carioca mas que não tinha assinado com o Flamengo e, por conta disso, não poderia transmitir os jogos do clube, decidiu não fazer a transmissão do estadual do Rio de Janeiro, alegando quebra de contrato de exclusividade, já que o Rubro-Negro transmitiu a partida contra o Boavista pela Flatv, no Youtube.

No entanto, após decisão judicial, a emissora teve que voltar atrás e transmitir uma das semifinais da Taça Rio, entre Fluminense e Botafogo. Porém, a transmissão das finais do Carioca não será realizada pela Globo. No primeiro jogo deste domingo, que terá mando do Fluminense, a partida será exibida apenas no canal oficial do clube, a Flutv. No entanto, na quarta-feira, dia 15, o jogo com mando do Flamengo será exibido pelo SBT, além da Flatv. Diante de todo esse imbróglio da MP 984 e que pode afetar de forma massiva as transmissões do futebol brasileiro caso seja aprovada, a reportagem do Jornal do Commercio conversou com Lucas de Paula, sócio fundador da Outfield Consulting, uma empresa especialista no assunto e que vem acompanhando os desdobramentos do tema. Confira a entrevista completa.

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TRANSFORMAÇÃO DA MP NO FUTEBOL BRASILEIRO

O poder transformador da nova MP é imenso, é uma ruptura semelhante ao que vimos há cerca de 10 anos com o fim do Clube dos 13. Toda a lógica gerencial que o futebol brasileiro adotou nessa última década terá de ser revista nos próximos meses, principalmente caso a MP passe no Congresso. De fato, o modelo anterior em que mandante e visitante deveriam ter contrato com a mesma emissora já se demonstrava ultrapassado, mas a mudança poderia ter acontecido de forma um pouco mais agregadora.

Claro que podemos questionar como a MP foi constituída e quais premissas foram utilizadas na articulação entre o presidente Bolsonaro e CRF (Clube de Regatas do Flamengo), porém se aprovada em lei pelo congresso trará muito mais liberdade para os clubes em contratos vigentes e futuros pelos direitos de transmissão. Uma MP que interfere diretamente na estratégia da indústria, preferencialmente deveria ser discutida com mais players do mercado. Ponto é que visando a construção da Liga, a Lei se aprovada no congresso pode ser uma forma de estreitar o processo, independente de qualquer viés político.

MP E A UNIÃO DOS CLUBES

A MP acelera a necessidade de grande parte dos clubes de se unirem para compor produtos mais atraentes ao mercado, e aumentarem por sua vez, o poder de barganha frente aos fornecedores. Na prática, a futura traz dinamismo em um discussão sobre a criação de uma liga que já ocorre nos últimos anos. Vejamos, não restam dúvidas sobre o potencial comercial que os grandes clubes geram, mas é importante lembrar que eles não jogam sozinho. Quase metade do Campeonato Brasileiro hoje é formado por clubes que não são os tradicionais “grandes”.

Neste sentido, ao invés de comemorar a suposta vitória dos clubes que agora podem negociar direitos por conta própria ou, na minha visão, destruir valor individualmente, temos que entender que enquanto não houver organização estrutural e um modelo de Liga, todo esse papo de rentabilizar melhor direitos de transmissão não vai se materializar, e a pobreza de formatos e falta de capacidade de entrega são regra (note-se: nem um décimo dos Clubes brasileiros têm estabilidade financeira e potencial comercial para criar uma transmissão como a que o Flamengo fez na FlaTV na semana passada - exceção total à regra). Fragmentação não é o caminho e exclusividade também não: o caminho é seguir os passos de ligas consolidadas no continente europeu, e replicar respeitando as diretrizes históricas de clubes e potenciais parceiros através de uma liga forte e sólida

Os recentes resultados das transmissões realizadas por Flamengo e Fluminense (ambas as maiores transmissões ao vivo da história do YouTube global) comprovam isso - a demanda está presente, agora como desenvolver uma oferta que converse com ela e entregue valor contínuo? Para resolver isso não precisamos ir muito longe. NFL e NBA, os dois maiores exemplos de monetização de direitos de transmissão no mundo, funcionam como ligas e a partir de negociações coletivas, criaram slots que são negociados individualmente.

Ou seja, não há fragmentação por clube e sim o “fatiamento” dos jogos em horários diversos, mais ou menos nobres, que são adquiridos de acordo com seu retorno de audiência - é assim que a NBC, por exemplo, gere há décadas o Sunday Night Football - de longe, o maior programa da TV americana há anos.Portanto, torço para que ao invés de mergulhar no nonsense da venda individual no “saldão”, os clubes brasileiros aproveitem o momento de crise e mudanças estruturais para se aproximarem e debaterem um modelo unificado em que estejam juntos também para criar produtos de qualidade.

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MP PODE SER SELETIVA CASO NÃO EXISTA UNIÃO DOS CLUBES

Sim (corre o risco de ser seletiva para alguns clubes), e a única forma de reduzir esse risco é através da união dos clubes. A MP modificou a segurança que os clubes menores tinham ao serem quase forçados a assinarem com a Rede Globo. Isso também não era legal, mas em tese garantiria a principal fonte de receita desses clubes (quase 70% do que um clube como o Goiás fatura, por exemplo, vem da televisão). À primeira vista, os direitos de transmissão dos clubes menores se desvalorizaram com a MP, e a maneira de torna-lo atrativo é juntando todo o campeonato em um mesmo grande pote.

DECISÕES DOS TRIBUNAIS NO FLA-FLU

Sempre quando há um envolvimento político direto no esporte, pode-se colocar pontos de questionamento, o que tira credibilidade junto aos stakeholders da cadeia, entre eles o próprio consumidor. Outrora o futebol brasileiro se resolvia mais nos tribunais do que em campo, e não é o que pregamos para a evolução do esporte, e tampouco quando discutimos a composição de uma Liga.

QUALIDADE DAS TRANSMISSÕES FEITAS PELOS CLUBES

Grande parte destes clubes derrapa para manter os salários de seus atletas em dia e para fazer entregas padrão aos seus anunciantes, que dirá desenvolver uma produção de alto padrão. Aqui surge outro ponto fundamental do debate: normalmente as pessoas não levam em consideração custos e capacidade de produção - capacidade leia-se como o valor central do que a transmissora entrega. Com a criação da Liga, os clubes poderão vender os direitos de transmissão não só para a Rede Globo, mas para outras empresas qualificadas e desenvolver este serviço como Turner, Amazon, DAZN, Record, entre outros.

Além disso, as transmissões próprias dos clubes atendem a um único público consumidor: o torcedor do próprio time. Como ocorreu no caso do Fluminense, a transmissão “clubista” pode até ser divertida, mas não atrai quem não torce para o Fluminense. A ideia não é necessariamente ruim, mas não dá para isso ser a única opção para conseguirmos ver um jogo.

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O CONSUMIDOR E A MP

Este é outro ponto fundamental. A fragmentação dos direitos exige que o público saia da zona de conforto de sentar no sofá toda quarta e domingo e simplesmente saber que algum jogo estará acontecendo. Assistir um jogo de futebol vai exigir planejamento prévio, para sabermos qual canal transmitirá determinado jogo. E a partir do momento que essa fragmentação chegar o consumidor terá mais opções para acompanhar aos jogos. Como defensor do livre mercado, a concorrência entre grandes players pode ser benéfica para indústria como um todo.

COBRANÇA FEITA PELOS CLUBES NAS TRANSMISSÕES

A venda de direitos de transmissão representa quase metade do que todos os clubes de futebol arrecadam, salvo algumas exceções que conseguem monetizar melhor patrocinadores e diretamente o consumidor com bilheteria e programa de sócio. Não acreditamos que cobrança pela plataforma de streaming seja uma tendência para os próximos anos, o mercado naturalmente vai compor produtos para vender para as grandes redes de transmissão, que não necessariamente apenas a Rede Globo.

NEGOCIAÇÃO JUSTA DEPENDE DA UNIÃO DOS CLUBES

A criação da Liga é o caminho que todos os elos da indústria sairiam beneficiados. Os clubes agora precisam sentar, e entender como constituir um estatuto para negociação de venda coletiva para os contratos futuros.

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