Com quase 40 anos de carreira, Fernando Beltrão - o Fernandinho - é um professor linha dura na mesma proporção em que é querido pelos alunos. Formado em Medicina pela Universidade de Pernambuco, trocou o estetoscópio pelo giz e, hoje, é conhecido como um dos principais professores de Biologia do Recife. Nascido em Catende, na Zona da Mata, é filho de um carteiro e de uma professora primária. Quando criança, sonhava em conhecer o mundo. Conseguiu: já viajou para mais de 150 países, na maioria das vezes em busca de modelos de educação. Tendo estudado a vida inteira em escola pública, acredita que só com incentivo à educação é possível avançar.
Fernandinho recebeu o JC em seu apartamento no intervalo entre alguns compromissos. A reportagem não podia atrasar porque, logo depois, ele teria aula. "E eu não quero atrasar nem um minuto porque estava conversando com você. Tenho compromisso com os meus alunos", explicou. Durante a pandemia, as aulas de seu cursinho são transmitidas online, direto de um estúdio montado em casa: ele já é craque quando o assunto é educação a distância. "Há seis anos, todas as aulas do meu cursinho são online. A EaD veio para ficar. Quem é mais velho como eu ainda tem dificuldade de entender o processo, mas a cabeça dos jovens é diferente. Quando a pandemia passar, as escolas vão precisar incluir também o ensino remoto porque alguns alunos vão demandar. No meu cursinho, temos um robô com inteligência artificial que já tirou 100 mil dúvidas, fora as aulas só com esse fim. Também sempre disponibilizo meu telefone, que é o (81) 8763-2674, para quem quiser tirar dúvidas", surpreende o professor.
Passar o telefone publicamente é mais um passo para o que Fernandinho chama de "pacto" por uma boa educação. "O nosso país precisa de um pacto para melhorar a educação. Os estudantes precisam saber dos deveres deles, precisam entender que, se não estudarem, vão ter problemas. Mas os pais precisam acompanhar, os governantes precisam investir, toda a sociedade precisa admirar os professores e os professores precisam se dedicar a ajudar os alunos", esquematiza. Das "modernidades" trazidas de fora do país e que o professor acredita que podem ser replicadas por todos os colégios está a reunião de pais e fiscal na porta da sala de aula "para dividir os amigos e casais".
A disciplina rígida é outra característica do professor. "No meu cursinho, já briguei com aluno que furou fila e, se usar celular na aula, sai da sala. Defendo aulas curtas, que durem no máximo 25 minutos, então, os alunos precisam de atenção total ao que o professor está falando", explica. "Disciplina é um fator decisivo na educação", reitera.
Sucesso em aprovação no vestibular, Fernandinho se mostra preocupado com o padrão de educação no país. "Em todo o mundo, as pessoas são avaliadas em Ciências, Matemática e pela língua materna. Aqui no Brasil, os alunos têm resultados péssimos nessas três áreas", pontua. No levantamento feito em 2018 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), entre 79 países, o Brasil ficou em 57º lugar no quesito leitura, em 64º em ciências e em 70º, em matemática. "Isso tem de mudar. Já visitei escolas em Cuba e na Inglaterra e, nos dois países, os alunos sabem exatamente a aula que vão ter e já chegam com uma pré-atividade feita", exemplifica.
Para o professor, o programa de educação do país deveria ser feito de forma independente do governo. "O Ministério da Educação deveria ter três ministros de linhas de pensamento diferentes entre si e eleitos pelos reitores das universidades para um mandato de 10 anos. Não deveriam ser demitidos pelo presidente da República", sugere. Fernandinho também sonha com mais reconhecimento para os professores. "Professor não merece ganhar pouco, mas também não é só dinheiro. Professor não deveria pagar imposto, deveria ter vaga reservada nos estacionamentos e espaço diário nos jornais". Para os próximos 10 anos, ele acredita que as escolas vão estar bem diferentes. "Os colégios precisam entender que não é só com aula que o aluno aprende. As aulas precisam ser curtas e os jovens precisam ter mais interação entre si, além de praticar esportes, ter atividades em laboratórios e ler bastante", enumera.
No cursinho de Fernandinho, vários alunos estudam com bolsa. "Água, comida e educação não se nega a ninguém. No meu cursinho, ninguém chega dizendo que não pode pagar para eu virar as costas. Isso faz parte de um compromisso que todo mundo deveria ter com a educação". Questionado sobre quando parar, ele diz que "só quando morrer". "Larguei a Medicina porque acho que um bom professor é mais importante do que um bom médico. Consigo atender muito mais gente desta forma", conclui.