O Protestantismo Brasileiro

JC
Publicado em 23/07/2023 às 0:00


JOSÉ ROBERTO DE SOUZA


O final do século XV é considerado como o período das grandes navegações e dos “descobrimentos”. Alguns exemplos podem ser relembrados, tais como o Descobrimento das Américas, por Colombo (1492); o Descobrimento das Índias, por Vasco da Gama (1498); e o Descobrimento do Brasil, ou Achamento (como desejam alguns), por Pedro Álvares Cabral (1500). Neste contexto, Portugal com o recente descobrimento das Índias direcionou seus interesses para esse novo domínio. Consequentemente, outras nações europeias voltaram a sua atenção para o Brasil, atraídas pelas suas inúmeras riquezas naturais.
Entre essas nações estava a França. Há quem afirme que, quando houve o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha (1494), o rei da França, Francisco I, teria ironizado com as seguintes palavras: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo”. Portugal passou a preocupar-se com as invasões, por isso estabeleceu as capitanias hereditárias. Contudo, a experiência não foi satisfatória. Portugal resolveu, portanto, mudar a estratégia, e no ano de 1549 enviou ao Brasil o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, que chegou com um grupo de Jesuítas.
Entre os seus inúmeros objetivos, os Jesuítas tinham pela frente à catequização dos povos bárbaros para a conversão a fé católica, bem como inibir o avanço do Protestantismo. Mas, apesar disso, um aventureiro francês, ambicioso, chamado Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), resolveu estabelecer uma colônia na baía da Guanabara. Ele recrutou um bom número de trabalhadores, inclusive nas prisões de Paris e Rouen. Depois de tudo isso, chegou ao Rio de Janeiro em 10 de novembro no ano de 1555. Construíram o Forte Coligny, e a colônia recebeu o nome de “França Antártica”.
Devido a alguns acordos não cumpridos por parte de Villegaignon, bem como algumas de suas exigências, não demorou a que houvesse desavenças na colônia. Tentando manter a ordem e elevar a moralidade da localidade, Villegaignon resolve solicitar a Coligny (chefe dos huguenotes na França) a presença de alguns huguenotes (calvinistas franceses), os quais são enviados pelo reformador João Calvino. Entre o grupo, foram escolhidos dois pastores: Pierre Richier (50 anos) e Guillaume Chartier (30 anos). Já os huguenotes que acompanharam os pastores foram Pierre Bourdon, Matthieu Verneil, Jean du Bourdel, André Lafon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e o sapateiro Jean de Léry, o notável cronista da viagem. Eram ao todo 14 huguenotes. A frota era composta de três navios e a bordo vieram cerca de 290 pessoas, inclusive algumas mulheres.
No dia 10 de março de 1557, esses calvinistas realizaram o primeiro culto protestante do Brasil, e possivelmente do Novo Mundo. O ministro Richier fez uma oração. Em seguida, foi cantado em uníssono, de acordo com o costume de Genebra, o Salmo cinco. Depois, o pastor Richier pregou um sermão baseado no Salmo 27:4. Já a Santa Ceia, segundo o rito reformado, foi celebrada pela primeira vez no domingo 21 de março de 1557. Por razão de alguns conflitos com Villegagnon, os franceses retornaram para França. Contudo, devido aos riscos da viagem em razão do peso transportado pelo navio, cinco huguenotes resolvem desistir da viagem e retornam para a ilha. Surgiram desavenças teológicas entre Villegagnon e os calvinistas, os quais foram presos e forçados a escrever uma declaração de suas convicções. Mesmo tendo em mãos apenas uma Bíblia, e sendo leigos, o resultado foi a bela Confissão de Fé da Guanabara (Fluminense). Com base nessa declaração, três dos calvinistas foram executados e outro foi poupado por ser o único alfaiate da colônia.
O quinto autor da confissão de fé, Jacques le Baleur, conseguiu fugir. Mas foi preso e mais tarde enforcado. Entre os que conseguiram retornar à França estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde se tornou pastor e escreveu a célebre obra “Viagem à Terra do Brasil” (1578). Quanto ao procedimento de Villegaignon, o mesmo passou a ser conhecido como o “Caim das Américas”.


O Reverendo José Roberto de Souza é doutor em Ciências da Religião pela UNICAP, curador do museu da IPB em Recife, professor e coordenador acadêmico e do departamento histórico do SPN. E-mail: revjoseroberto@gmail.com

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