A aparição de uma nova cepa do coronavírus no Reino Unido, apresentada como mais contagiosa que as demais, gerou forte preocupação na Europa. Mas nada parece indicar que essa variante cause formas mais graves da doença ou que seja resistente às vacinas, dizem os especialistas.
- É normal que o vírus sofra mutações?
Os vírus, como seres vivos, são dotados de material genético (DNA ou RNA), que pode estar sujeito a modificações ao se replicar (mutações) nas células em que se disseminam ou por meio de trocas entre vírus (recombinações). Em geral, isso não tem consequências, mas as mutações também podem dar ao vírus uma vantagem ou desvantagem para sua sobrevivência.
"Certamente existem milhares de variantes", lembrou Emma Hodcroft, epidemiologista da Universidade de Berna.
"O mais importante é tentar saber se esta variante tem propriedades com impacto na saúde humana, no diagnóstico e nas vacinas", disse Julian Hiscox, professor de infectologia da Universidade de Liverpool, citado pelo Science Media Center.
A nova cepa, que levou o governo britânico a soar o alarme, carrega uma mutação chamada "N501Y" na proteína Spike (espícula) do coronavírus. Por meio dela, o vírus se prende às células humanas para penetrá-las.
- Esta variante é mais contagiosa?
Segundo o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, essa cepa pode ser até 70% mais contagiosa, levando muitos países europeus e o resto do mundo a suspender suas conexões aéreas e ferroviárias com o Reino Unido.
"O Reino Unido enfrentou um rápido aumento no número de casos de covid-19 no sudeste da Inglaterra nas últimas semanas" e análises mostram que "uma grande proporção de casos pertenciam" à nova mutação do vírus, informou no domingo o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).
"As razões para este aumento na infecciosidade ainda não estão claras. Ainda não descobrimos se é devido ao aumento da replicação viral ou uma melhor conexão com as células que cobrem o nariz e os pulmões", disse Peter Openshaw, professor de medicina experimental no Imperial College London, no Science Media Centre.
Diante das alegações do ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, de que a nova cepa estava "fora de controle", a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu uma mensagem tranquilizadora.
"Registramos uma R0 (taxa de reprodução do vírus) muito superior a 1,5 em diferentes momentos dessa pandemia, e a controlamos. Essa situação, nesse sentido, não está fora de controle", disse o responsável por emergências sanitárias da OMS, Michael Ryan, em entrevista coletiva.
Naquela região do sudeste da Inglaterra, "a imunidade de grupo da população é fraca e o vírus encontrou um lugar para se desenvolver", disse à AFP o vice-diretor do Centro Nacional de Referência para Vírus Respiratórios do Instituto Pasteur em Paris, Vincent Enouf.
- Como essa cepa se propagou?
É difícil afirmar que esta nova cepa surgiu no Reino Unido.
Este país "é o líder mundial em sequenciamento [...] Então, se existe uma variante e ela chegar ao Reino Unido, há muitas chances de que será detectada", apontou Emma Hodcroft. Para ela, a primeira sequência dessa nova cepa remonta a setembro.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram detectadas formas parecidas em vários países, como Austrália (um caso), Dinamarca (9), Holanda (1) e África do Sul. Itália também anunciou que detectou um primeiro caso no domingo.
"Apesar de não ter nascido no Reino Unido, parece que foi lá onde se desenvolveu, na Inglaterra", estimou Emma Hodcroft.
- A vacina será menos eficaz?
Até o momento, os cientistas acham pouco provável que esta nova cepa seja resistente às vacinas atuais contra a covid-19.
"A ideia da vacina é mostrar a proteína Spike em seu conjunto ao sistema imunológico que, deste modo, aprende a reconhecer suas múltiplas partes", explicou Emma Hodcroft. Sendo assim, "mesmo que algumas partes mudem, as outras partes permanecem para reconhecer" o vírus, afirmou.
Para Vincent Enouf, "um repertório de anticorpos deve bastar".
"Até o momento, nada indica que esta nova cepa provoque uma taxa de mortalidade mais alta, ou que afete as vacinas e os tratamentos, mas há trabalhos urgentes em andamento para confirmar isso", acrescentou o médico-chefe da Inglaterra, Chris Whitty.
A OMS e o ECDC chegaram à mesma conclusão.
- Afetará os testes?
"Os responsáveis dos laboratórios devem verificar com seus fornecedores se seus testes podem apresentar falhas" para esta nova variante, destacou Vincent Enouf.
Segundo o ECDC, a mudança da proteína Spike gerou falsos negativos em alguns laboratórios de teste do Reino Unido, que têm como base apenas essa proteína em suas análises.