Da AFP
Salman Rushdie, autor de "Versos Satânicos" e alvo há mais de 30 anos de uma fatwa do Irã, foi colocado em um respirador após ser esfaqueado na sexta-feira no pescoço e no abdômen no estado de Nova York por um homem que foi preso.
"As notícias não são boas", disse o agente do escritor britânico, Andrew Wylie, ao New York Times na sexta à noite.
"Salman provavelmente perderá um olho; os nervos de seu braço foram cortados e ele foi esfaqueado no fígado", disse Wylie, acrescentando que Rushdie, de 75 anos, foi colocado em suporte de vida.
Imediatamente após seu ataque, no palco de um anfiteatro de um centro cultural em Chautauqua, no estado de Nova York, Salman Rushdie foi transportado de helicóptero para o hospital mais próximo onde foi operado com urgência, informou a repórteres o major da polícia do estado de Nova York, Eugene Staniszewski.
A polícia havia anunciado pouco antes das 11h00 (12h00 de Brasília) que um homem "correu para o palco (do anfiteatro) e atacou Salman Rushdie e o entrevistador", esfaqueando o escritor "no pescoço" e também "no abdômen".
O apresentador da conferência, Ralph Henry Reese, de 73 anos, foi "levemente ferido no rosto".
O agressor foi imediatamente preso e levado sob custódia, segundo o major Staniszewski, que revelou se tratar de Hadi Matar, de 24 anos, do estado de Nova Jersey.
Neste sábado, o principal jornal ultraconservador iraniano, Kayhan, parabenizou o agressor.
"Bravo a este homem corajoso e consciente do dever que atacou o apóstata e cruel Salman Rushdie", escreveu o jornal.
"Beijamos a mão daquele que rasgou o pescoço do inimigo de Deus com uma faca".
Rushdie se preparava para dar uma conferência literária nesta pequena cidade localizada a 100 km de Buffalo, perto do Lago Erie, que separa os Estados Unidos do Canadá.
Carl LeVan, professor de ciência política, estava no local e disse à AFP por telefone que um homem se jogou no palco onde Rushdie estava sentado para esfaqueá-lo violentamente várias vezes, "tentando matá-lo".
Rushdie, nascido em 19 de junho de 1947 em Bombaim, dois meses antes da independência da Índia - criado por uma família de intelectuais muçulmanos não praticantes, ricos, progressistas e cultos - incendiou parte do mundo muçulmano com a publicação de "Versos Satânicos", levando o aiatolá iraniano Rouhollah Khomeini a emitir uma "fatwa" em 1989 pedindo seu assassinato.
O autor foi obrigado a viver escondido e sob proteção policial, indo de esconderijo em esconderijo.
Ele então enfrentou uma imensa solidão, agravada pelo rompimento com sua esposa, a romancista americana Marianne Wiggins, a quem o romance foi dedicado.
Vivendo discretamente em Nova York, Salman Rushdie havia retomado uma vida praticamente normal, sempre defendendo em seus livros a sátira e a irreverência.
Mas a "fatwa" nunca foi levantada e muitos dos tradutores de seu livro foram feridos e até mesmo mortos, como o japonês Hitoshi Igarashi, vítima de várias facadas em 1991.
"Trinta anos se passaram", disse ele em 2018. "Agora está tudo bem. Eu tinha 41 anos na época (da fatwa), tenho 71 agora. Vivemos em um mundo onde as preocupações mudam muito rapidamente. Agora há muitas outras razões para ter medo".
Feito cavaleiro em 2007 pela rainha da Inglaterra, para grande desgosto dos extremistas muçulmanos, este mestre do realismo mágico, um homem de imensa cultura que se diz apolítico, escreveu em inglês cerca de quinze romances, além de contos e crônicas.
"A luta dele é nossa, é universal", lançou o presidente francês Emmanuel Macron no Twitter.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse estar "chocado por Sir Salman Rushdie ter sido esfaqueado enquanto exercia um direito que nunca devemos deixar de defender", referindo-se à liberdade de expressão.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse por meio de seu porta-voz que estava "horrorizado" com o ataque, acrescentando que "de forma alguma a violência é uma resposta às palavras".
"Este ato de violência é terrível", comentou o conselheiro de segurança do presidente americano Joe Biden, Jake Sullivan.