Por Gustavo Krause
Meu caro doutor, o senhor não me conhece, mas eu o conheço. E conheço por meio do seu comportamento como médico, como membro do CREMEPE, como cidadão, pelas vozes de muitos colegas seus e dos que fazem parte da minha família. O fiador da sua respeitabilidade é meu irmão, Romeu.
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O criminoso episódio tem muitas faces e, nele, o que há de pior é a reiteração da violência contra a mulher. Mulher? Uma criança que ainda brinca de boneca? Monstruoso. O mais grave é que fatos de natureza demoníaca estão se repetindo agora.
O meu lado feminino é muito forte. Influência da mãe, mulher de vanguarda que nos ensinou a respeitar a mulher porque sempre se fez respeitar, pobre e órfã muito cedo. Ela era o amor vestido de armadura, disposta a enfrentar, sem medo, os desafios da vida. Hoje continuo cercado de mulheres, quatro filhas de personalidades fortes e o encanto de três netinhas (qual o avô que não é abestalhado?).
Delas, já ouvi: “Puxa, o velho é mais ‘feminista’ do que a gente”. Talvez a curiosidade intelectual tenha me levado a observar o fenômeno da opressão ao longo da história e concluí que a opressão mais antiga, mais covarde, mais institucionalizada e mais cultural é a que a tirania androcêntrica exerce sobre mundo feminino. E toda ela “legitimada” a partir mentiras protecionistas: o “sexo frágil”; o absurdo de uma superioridade por questões anatômicas e outras patranhas que discriminam, excluem e punem as potencialidades femininas.
Mas a revolução feminina é um dado histórico irreversível. Os avanços nas lutas por direito e por um lugar merecido nas sociedade seguem superando barbaridades e obscurantismos. Ainda falta muito. A caminhada não sofre apenas de preconceitos: sofre violência física, psíquica e emocional.
O caso da garota estuprada e grávida aos dez anos escancara os desajustes familiares e coloca na agenda nacional a discussão sobre a delicada questão do aborto.
Caro doutor, sou insuspeito para valorizar sua conduta pautada pela consciência humanitária, pela coragem dos misericordiosos e, sobretudo, porque obedeceu a princípios e valores que dão suporte à ética médica. Insuspeito, por uma razão: sempre defendi o direito a mulher optar pelo aborto até que assisti ao exame de ultrassonografia de um dos filhos. A emoção da imagem fez ruir toda minha racionalidade. O assunto merece ser discutido, sem fanatismos, a virulência de palavras, sem demonizações, deixando que a consciência nacional decida a questão por meio do plebiscito ou do referendo.
Obrigado, doutor, pelo exemplo de dignidade e altivez!