Sempre fui fascinado pela lua. Principalmente a lua cheia. A lua foi, durante muito tempo, tema indispensável e constante dos grandes compositores da música popular brasileira, entre eles Ary Barroso, Noel Rosa, Orestes Barbosa, Cândido das Neves, com presença garantida entre os parnasianos e simbolistas (Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco), chegando aos modernos Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga e Vinícius de Moraes.
Esse fascínio pela lua vem de muito longe, na literatura, na poesia e na pintura. E fico me perguntando que poder mágico é esse que a lua exerce sobre o homem, influenciando animais, plantas e a natureza da Terra. Uma das paisagens mais bonitas é o crepúsculo do Recôncavo Baiano, quando o sol se põe atrás da Ilha de Itaparica, mas vale a pena aguardar o nascimento da lua na linha do horizonte, no mar de Itapuã, e acompanhar seu lento percurso caminhando sob as águas azuis da Baía de Todos os Santos, até se pôr, na Ilha de Itaparica. A lua não tem pátria. Ou melhor, sua pátria é o universo sentimental dos boêmios e seresteiros, emoldurando os acordes pungentes do violão. Um belo luar era o do terreno antigo do civilista José Paulo Cavalcanti, nas Graças, quando ele dividia sua luz branca entre as mangueiras, sapotizeiros e coqueiros, banhando de prata os cajueiros do sítio dos Piaulinos e seus cajus amarelos. O nascer da lua cheia de Olinda, visto do Alto da Sé, é extasiante. Basta esperar que ela passe vagarosa, entre as torres da Catedral, para depois se esconder entre os pés de fruta-pão dos Manguinhos.
Apesar de seu lirismo, a lua cheia tem sua utilidade prática. Agora mesmo foi ela que, fazendo a maré crescer, ajudou os rebocadores na difícil manobra de desencalhar o gigantesco cargueiro japonês Ever Given, no Canal de Suez. Operação dificílima, porque o navio estava superlotado de contêineres. Para se ter uma noção da grandeza do Ever Given, basta dizer que seu comprimento de quatrocentos metros equivale a quatro campos do Sport. Quanto às suas duzentas mil toneladas, o lendário Titanic, "que nem Deus afundaria", deslocava sessenta mil toneladas, e o Queen Mary e Queen Elizabeth pesavam oitenta mil toneladas cada um. O problema é que o Ever Given ficou atravessado no Canal, impedindo o tráfego de mais de trezentas embarcações, ancoradas ao largo, aguardando a vez de prosseguir viagem - e algumas delas transportavam gado, arriscado a morrer sem ração. O Ever Given foi salvo pela lua.
Arthur Carvalho - Sociedade dos Amigos da Marinha - SOAMAR
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