ARTIGO

A nova dinâmica de classes que se consolida no Brasil e seu peso eleitoral

O debate eleitoral no Brasil sempre foi muito marcado pelas classes mais altas, informadas e de maior influência nas diretrizes políticas e econômicas; e pelas classes mais baixas, que são receptoras imediatas dos programas de governo

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PRISCILA LAPA

Publicado em 10/05/2021 às 6:10
Se, para a classe média, o desemprego e a baixa remuneração representam um duro impacto na qualidade de vida, para essa faixa da população não há quase nada a perder. - Foto: Felipe Ribeiro / JC Imagem

A composição das classes sociais não é tema de interesse apenas de economistas, sociólogos, marqueteiros e publicitários. Agentes políticos olham as classes ora como prioridade para políticas públicas, ora como alvo eleitoral. O ano de 2010 ficou marcado como aquele que consolidou o crescimento da classe C no Brasil, que, pela primeira vez na história, passou a corresponder à metade da população brasileira. Para a FGV, a classe C tem renda familiar mensal entre R$ 2.005 e R$ 8.640.

A ascensão das classes D e E, na década de 2010, se deu majoritariamente pela lógica do consumo, a partir de políticas macroeconômicas como controle da inflação, aumento do emprego, redução da taxa de juros e expansão dos prazos de financiamentos, que proporcionaram condições de melhoria na capacidade de compra da classe C, superando em poder de compra, inclusive, a soma das classes A e B.

Assim, tínhamos uma classe de emergentes para decidir a eleição. Em minha tese de doutorado em Ciência Política observei essa dinâmica de votos da classe C em eleições presidenciais. Mostramos que o grupo de 3.294 municípios brasileiros em que predominantemente os indivíduos se enquadravam em 2014 como classe C deu a Dilma Rousseff (PT), no primeiro turno, 27,3 milhões de votos, contra 26,1 milhões para Aécio Neves (PSDB).

Com o passar dos anos e dos ciclos políticos, a classe C foi encolhendo, com reflexos claros nas decisões eleitorais. Em 2018, no primeiro turno da eleição presidencial, o petista Fernando Haddad teve apenas 17,4 milhões de votos, contra 38,6 milhões de Jair Bolsonaro, no mesmo grupo de 3.294 municípios.

O debate eleitoral no Brasil sempre foi muito marcado pelas classes mais altas, informadas e de maior influência nas diretrizes políticas e econômicas; e pelas classes mais baixas, que são receptoras imediatas dos programas de governo. A classe C ficava "esmagada". Com as redes sociais, a insatisfação pela crise econômica e casos de corrupção, entre outros motivos, essas pessoas puxaram a tomada de decisão para si. Em 2018, o PT claramente não conseguiu dialogar com esse eleitorado.

Com a sucessão de crises, o fenômeno de classes no Brasil ganhou sentido inverso e a classe C está sendo empurrada rapidamente de volta às classes D e E. Com a pandemia, muitos estão indo direto para a miséria. Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, a base da pirâmide está cada vez mais numerosa.

O fato é que em 2019, o Brasil tinha cerca de 24 milhões de pessoas na pobreza extrema (11% da população). Em 2021, são 35 milhões, ou 16% do total, de acordo com a FGV Social. Não são apenas números: uma nova dinâmica de classes se consolida no Brasil, que deve ter peso no processo eleitoral de 2022. Quem viver, verá.

Priscila Lapa, cientista política

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