"As polícias do Rio de Janeiro são hoje elementos de contaminação de todas as polícias brasileiras. Pela alta visibilidade e pelo ethos guerreiro, fixam um paradigma cultural de instituições totais de enfrentamento bélico, horrivelmente desconstitutiva dos mandamentos constitucionais atribuídos aos policiais."(1)
Pesquisas e estudos constatam que o método de combate das polícias cariocas ao crime organizado, como na comunidade do Jacarezinho, não levam a redução da violência, do tráfico de drogas, nem das mortes violentas. Mas possuem efeitos colaterais, como a morte de inocentes e favorecem disputas de uma facção sobre outra no domínio do tráfico e controle de uma comunidade.
Ainda assim, boa parte da população as apoia. Qual a razão? Creio que são três as principais. Em primeiro lugar, a violência endêmica, potencialmente universal, que a todos torna inseguros e potenciais vítimas.
Em segundo, a incapacidade do Estado, via segurança pública, de assegurar a vida e o patrimônio da população, os mais pobres à frente, abrindo espaço para organizações criminosas o substituírem nesse papel. E, por último, a incapacidade, lentidão e/ou parcialidade atribuída ao sistema de justiça em punir culpados e dirimir conflitos.
No conjunto, estas causas operam uma regressão em princípios e valores civilizatórios e humanitários da sociedade, que despe os que são estigmatizados como bandidos, criminosos ou suspeitos - usualmente o negro, o favelado, e o pobre -, da sua integral humanidade. Instala-se uma lógica da vingança, do olho por olho, dente por dente. Hoje, o Brasil é o pais que mais lincha no mundo, segundo o sociólogo José de Souza Martins.
Essa lógica, do combate e guerra contra o crime, tem nos levado no sentido contrário de uma maior segurança. Hoje, no Rio de Janeiro, as milícias e o tráfico dominam 57% do território da cidade e 33% da população, que vive sem direitos e garantias constitucionais. Milícias, que continuam avançando, em que pese os recorrentes massacres de "suspeitos" ou bandidos; milícias, que possuem um porta giratória pela qual passa parte dos efetivos policiais e vice versa...
Portanto, quando um novo combate se travar e mortos às dezenas, incluso inocentes e/ou crianças, forem recolhidos nas ruas das favelas, não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por você e por todos nós.
(1) Ricardo Balestreri
Raul Jungmann, ex-Ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública