Em sessão do Tribunal do Júri, um defensor, para buscar reconstituir aspectos do feminicídio imputado a seu cliente e com isso inocentá-lo, o que não conseguiu, submeteu a colega assistente a uma encenação de enforcamento, chegando, inclusive, a chacoalhá-la tão forte que a levou a perder o equilíbrio e quase cair ao chão.
Do ponto de vista ético e sem incursão no mérito do caso, a pergunta que se faz é a seguinte: afinal, é aceitável dizer seja ilimitada a liberdade do argumento, imbricada com a liberdade de atuação do profissional?
Não, não é. E assim seja por que não há na ciência constitucional a figura da liberdade sem fronteiras, seja por que a dignidade humana é intransacionável por significar valor supremo da ordem jurídica, não ficando ao arbítrio do indivíduo renunciá-la. Cuida-se de um mínimo existencial.
Na crônica forense, dois casos ajudam a entender melhor a conclusão posta. O primeiro ocorreu na França com o episódio do arremesso de anões: uma empresa do ramo de entretenimento decidiu lançar nas discotecas uma competição para ver quem atirava mais longe um anão; quem vencesse, recebia um prêmio. Os anões, a seu turno, coletavam cachê para isso. Só que, em determinada cidade, o Prefeito interditou o evento, alegando malferimento à cláusula da dignidade humana. Um anão proibido de ser arremessado, em litisconsórcio com a casa noturna, judicializou a questão, invocando a liberdade de iniciativa.
O Tribunal Administrativo anulou o ato do Prefeito, mas o Conselho de Estado da França o restabeleceu, por entender, justamente, que a dignidade do anão estava acima da sua autonomia da vontade. Já o segundo caso ocorreu na Alemanha, cuja Corte Constitucional foi chamada a deliberar sobre as chamadas casas de "peep-show", notabilizadas pelas cabines onde mulheres sob a proteção de uma grossa camada de vidro realizavam uma performance dita sensual-erótica e se despiam para o voyeur pagante. Também ali, contudo, entendeu-se pela vulneração da cláusula da dignidade da pessoa humana e pela degradação do indivíduo à condição de simples objeto.
Será, a partir desses dois paradigmas, renunciável a dignidade em nome da liberdade profissional? De novo: não. O Estado, quando mais não for, tem a obrigação de preservar a dignidade e de promovê-la, o que implica que não se trata de uma escolha. A dignidade é um superprincípio. Relativizá-lo, mesmo supondo seja ele passível de sucumbir ante a autonomia da vontade, é, por isso, algo eticamente inaceitável. É preciso, para uma ordem social harmônica, que haja um limite para tudo. Até na defesa de uma liberdade.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado