Minha memória insiste em resgatar uma imagem de Dodeskaden (O Caminho da Vida, de Akira Kurosawa), que vi no saudoso Cinema Coliseu, Estrada do Arraial, anos 1970, e então muito me impressionou. O chefe de uma família moradora de um lixão em Tóquio - realidade que, neste torto mundo, poderia ser indiana, brasileira, novaiorquina... - atolado em sujeira e escuridão, ele próprio um vivo composto da paisagem, sonha com uma fantástica e colorida mansão. Contraste sufocante, graças ao poder do cérebro humano no fazer arte.
Nesta indigesta quadra de hoje, país atolado em inédita crise econômica-social-sanitária, fantasio sobre a 3ª via como opção eleitoral que anule repeteco da polarização de 2018. Compromisso com Democracia e união da sociedade em torno do objetivo de pavimentar a trilha que leve o país a deixar de ser campeão em perda de oportunidades e destruição de talentos, o que demandaria uma "revolução institucional" (no topo, reforma política e ampla, irrestrita reforma administrativa).
Uma matriz de inovação institucional que modernizasse o Estado e não penalizasse classes sociais desfavorecidas, apagando o anacrônico binômio desigualdade-pobreza. Propósito de governança que eliminasse a privatização do Estado (captado por interesses espúrios) e recuperasse o investimento público, pondo-se Saúde, Educação, Habitação e Saneamento na proa.
Compromisso com responsabilidade fiscal e responsabilidade social na administração pública. Mostrar à sociedade que é possível termos um Estado eficiente, com políticas públicas chegando a todos os recantos do país, e assegurando um ambiente de negócios favorável a impulsos empreendedores. E que privatização - associada a adequada regulação - é obviamente melhor que manutenção de estatais improdutivas, mera moeda de troca para arranjos políticos custeados por recursos públicos. Isso ajudaria à eliminação do compadrio no mundo dos negócios. Por quê um empresário do segmento de planos de saúde na direção da ANS? Recupere-se a boa ideia de agências reguladoras.
Tento sonhar, lá vem pesadelo. Mantida a trilha iniciada em 1981, e considerados desvios de percurso desde 2009-2010, sem inovação institucional este "país do futuro" pode vir a ser um imenso Rio de Janeiro.
Pode até perder o maior ganho da era do Real, a moeda. Grande desafio, agigantado nos últimos 28 meses. Recorro a Millôr (que se foi em 27/03/2012, sem viver as agruras de nossa última década perdida e do presente momento) e seu habitual humor cortante: "Se isso tudo não for um pesadelo, este país vai mal" (2008). Quanta atualidade...
Tarcisio Patricio, economista, professor aposentado (UFPE) e consultor.