No dia 1º de novembro de 1955, o Coronel Jurandir Bizarria Mamede fez um discurso no enterro do general Canrobert Pereira da Costa, chefe do Estado Maior das Forças Armadas e então presidente do Clube Militar. Por pregar em seu discurso o golpe contra a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, que se daria no início de 1956, o General Henrique Teixeira Lott, então ministro da Guerra, mandou prendê-lo, contra a vontade do então Presidente Carlos Luz.
Guardadas as devidas proporções e diferenças, o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, vive situação similar no caso da fala do Ex-Ministro da Saúde, general da ativa, Eduardo Pazuello num ato político realizado no Rio de Janeiro. Caso o puna por ter transgredido o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto dos Militares, estará assegurando o respeito de todas as patentes a hierarquia e a disciplina, além de manter intacta a sua autoridade perante os seus pares.
Caso não, estará contribuindo para que a anarquia prevaleça as vésperas do pleito presidencial de 2022, que se afigura polarizado e acirradíssimo. A complicar esse quadro, a repressão a um ato pacífico de protesto realizado em Pernambuco, Recife, quando policiais militares atiraram com balas de borracha e dois cidadãos perderam um dos olhos, preocupa, não apenas pelo ato em si, mas também pelas suas repercussões.
Não é de hoje que se noticia o apoio que detém o atual Presidente da República junto as forças de segurança estaduais e se teme atos e apoios de forças policiais, notadamente PMs, em sua defesa. Nesse contexto, o que se passou no Recife é interpretado como um possível exemplo a PMs de outros estados no tratamento a ser dado à oposição e suas manifestações. Agregando mais tensão ao quadro, dá-se como crível que o Presidente não aceitará a punição do general Pazuello, o que o colocaria em rota de colisão com o Alto Comando do Exército, majoritária e corretamente a favor da punição, em nome da hierarquia e da disciplina, sem as quais uma força armada não pode subsistir.
Já em Pernambuco, a demissão do comandante da PM precisa ser seguida da identificação dos responsáveis pela ordem de reprimir selvagemente os manifestantes. Dos dois casos, e da sua plena, legal, justa e firme solução em favor da legalidade e da defesa do primado da hierarquia e da disciplina, dependerá a ordem democrática, em especial nas eleições gerais do ano que vem.
Raul Jungmann, ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública