Quando a CPI da Covid ainda iniciaria seus trabalhos, no final do mês de abril, um grande debate nacional foi travado em torno do "palco" político em que ela poderia se transformar. À época, escrevi que esse seria um dos seus efeitos colaterais, mas lembrava que o julgamento do público se daria para todos os seus atores, e não apenas para o Governo que estaria em xeque.
Como na era do ativismo digital, da democracia de público, não termos uma CPI transformada em um espetáculo midiático? Como, em tempos de extremos, em tempos de raros debates republicanos, de fãs clubes políticos, não termos sessões tumultuadas, marcadas por bate-bocas e muita, muita histeria?
Mas agora parece que tivemos um ápice desses fenômenos, com o depoimento dos irmãos Miranda, que trouxeram à tona um caminho de investigações sobre a qual os membros da Comissão não tinham pistas concretas. O tumulto das sessões anteriores ganhou novo fôlego. Quem acompanha a história de Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil sabe que elas são marcadas por momentos "mornos", que oscilam com outros de maior tensão. A questão é que a disputa eleitoral super antecipada e o contexto da pandemia tornam o clima perfeito para que as sessões, transmitidas ao vivo, ganhem grande repercussão.
Senadores governistas usam a estratégia de tumultuar os depoimentos, de forma que as conexões entre os fatos narrados só se evidenciam quando cessa o calor que marca cada sessão. Os de oposição, ao mesmo tempo, conduzem os trabalhos com igual tom emotivo, deixando o cidadão telespectador envolto em uma aura de espetáculo midiático.
Agora os olhos estão todos voltados para os próximos acontecimentos. A mídia segue fazendo o seu papel, fundamental em uma democracia, que é o de investigar os fatos e trazê-los ao conhecimento do público. Contrariando ou não interesses de quem quer que seja, historicamente CPIs tiveram ampla cobertura midiática.
Enquanto isso, prossegue o show de horrores das mortes por Covid no Brasil, com quase 520 mil mortos. Segue também, a pleno vapor, a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, que passeia de moto pelas cidades, causa aglomerações onde quer que vá e repete os gestos tão conhecidos de quem quer o voto a todo custo. Reage às crises sempre com bravatas.
As interferências políticas e as redes de conexões formadas em torno da estratégia de combate à pandemia pelo Governo Federal são o cerne da questão, agora com a possibilidade de ter havido relações escusas na aquisição de vacinas. Mas a população, em grande parte, culpa a mídia pela transformação da política em espetáculo. Para essas pessoas, são os veículos e os jornalistas que querem bagunçar tudo. São eles que querem derrubar governos. Uma dose de mea culpa não faria mal a ninguém. Nem aos políticos.
Priscila Lapa, cientista política
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