Como a desigualdade se relaciona com a democracia?

"A desigualdade já alimentou discursos de populistas e autoritários em todo o mundo". Leia a opinião de Jorge Jatobá

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JORGE JATOBÁ

Publicado em 25/08/2021 às 6:08
O Sistema Valores a Receber foi anunciado pelo Banco Central em 2022 - MARCOS SANTOS/USP IMAGENS

Em uma economia de mercado a repartição da renda e da riqueza é desigual, refletindo a distribuição de ativos na sociedade, as diferenças de atributos entre os indivíduos e os distintos mecanismos de acesso às oportunidades oferecidas pela economia e pelo estado. O crescimento econômico, ao gerar emprego e renda, reduz a pobreza, mas não necessariamente a desigualdade. Ao contrário, ela pode se agravar pelas falhas de mercado, refletidas no sistema de preços, pelas debilidades do marco regulatório e da rede de proteção social e pelas imperfeições e baixa cobertura de políticas públicas que deveriam democratizar o acesso às oportunidades geradas pelo desenvolvimento econômico. A redução da desigualdade depende do caráter redistributivo das políticas públicas concebidas e executadas pelo estado.

As desigualdades vêm crescendo no mundo, inclusive nos países desenvolvidos. O Brasil tem alta iniquidade, refletindo a herança de uma longa escravidão, as diferenças de nível educacional, as imperfeições e segmentações do mercado de trabalho e a falta de acesso da população aos serviços públicos de qualidade, especialmente educação, saúde e assistência social. Em 2020, 1% dos brasileiros mais ricos detinham 49,6% da renda, percentual maior do que o observado em 2019 (46,9%), evidenciando que a pandemia agravou a desigualdade.

Como a desigualdade se relaciona com a democracia? A desigualdade já alimentou discursos de populistas e autoritários em todo o mundo. O conteúdo das palavras e as atitudes desses líderes repousam na defesa dos mais pobres e no ataque aos interesses e às aspirações daqueles que se situam nas hierarquias superiores da distribuição de renda e riqueza e na responsabilização das instituições democráticas e das elites políticas e econômicas pelas falhas de mercado e pelo fracasso de políticas públicas que ampliaram as diferenças socioeconômicas. A América Latina, mas não só ela, é pródiga desses exemplos. Esses populistas podem estar à direita ou à esquerda do espectro ideológico. Eles praticam um discurso distributivista que é instrumentalizado e manipulado para galgar e manter o poder em nome do povo, explorando o sentimento de revolta e de exclusão da população

No entanto, a percepção de que profundas desigualdades podem se constituir em ameaças à democracia conduziu alguns países a conceber programas e ações destinadas a reduzir as diferenças de renda e riqueza. Esses países criaram e incorporaram ao cerne de sua atuação político-partidária programas e ações que financeiramente bem estruturadas e permanentes reduziram as desigualdades. Este é o caso dos partidos socialdemocratas que na Europa, e também fora dela, exerceram pelo voto o poder político consolidando a democracia e demonstrando que é possível enfrentar e reduzir as desigualdades em ambiente democrático e de respeito às instituições. Qual será nosso caminho?

Jorge Jatobá, doutor em Economia

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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