No Afeganistão, o que fica é o retrocesso. As estimativas dos EUA eram de que os afegãos resistiriam algo como 18 meses, mas o que se viu foi uma blitzkrieg (guerra-relâmpago).
O desfecho desastroso decorre de uma conjunção de fatores. Os EUA mediram a capacidade de resistência do governo afegão a partir de fatores tangíveis, como capacidade bélica; mas falharam ao avaliar os não tangíveis. Não contaram com a estratégia do Taliban de pulverizar suas ações, tornando inviável a resistência em território amplo. Descuidaram da capilaridade do Taliban perante grupos locais. Subestimaram os efeitos da corrupção do governo e das forças armadas. Desconsideraram o moral das tropas.
Os EUA se livram de uma ocupação impopular. Mas fora a humilhação televisionada, o custo do fracasso recai sobre os civis afegãos. Relatórios recebidos pela ONU apontam para ataques a escolas e clínicas, perseguição a minorias e execuções sumárias - apesar da promessa de anistia geral.
O custo humano é particularmente desolador para as mulheres. Apesar de o grupo prometer respeitar seus direitos, em várias províncias, mulheres e meninas já são vítimas de casamento forçado com combatentes (algumas crianças de 12, 14 anos), de restrição de movimento e proibidas de frequentar escolas e universidades.
Infelizmente, essas violações não são casos isolados. Na Etiópia, no Yemen, em Mianmar e em vários outros países, diferentes formas de atrocidades e graves violações aos direitos humanos são cometidas diariamente. É necessária uma maior divulgação desses casos. Na UFPE, o Departamento de Ciência Política faz esse trabalho por meio do Observatório de Crises Internacionais (@ociufpe no Twitter e Instagram). Para que graves violações alcancem os públicos mais variados e gerem a pressão necessária sobre a comunidade internacional, é preciso exposição ampla e constante.
Mikelli Ribeiro, professor do Departamento de Ciência Política da UFPE e coordenador do Observatório de Crises Internacionais
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