Por mais que nas últimas semanas se tenha escrito todo tipo de prognóstico a propósito, alguns em tom até taciturno, o Brasil é uma nação que, na sua esmagadora maioria, preza pela democracia e deseja permanecer nela.
Em que pese premissa tão cardinal, eis que se chega ao ponto em que o receio maior para o dia 7 de setembro deixa de ser se irá chover ou não para tornar-se se vai haver ruptura institucional, leia-se golpe, ou não.
Parece enfim haver algo de muito errado que não está certo na pintura que adorna a parede. Quando se deveria visualizar um Gustav Klimt e seu alegre O Beijo, se enxerga Pablo Picasso e seu cinzento Guernica.
Muito suor e sangue foram derramados para a reconquista da democracia no País, único ambiente em que, entre outras coisas, se permitem os discursos antidemocráticos. Atravessamos vinte e um invernos para chegar ao fim do túnel e voltar a ter uma imprensa livre e um constitucionalismo para além do retórico. Não significa, claro, um salvo-conduto para caluniar, difamar, injuriar, ameaçar, incitar levantes, vandalizar, descumprir decisões judiciais ou a própria lei. Mas é sem dúvida o único caminho que nos mantém a salvo do cemitério ou do hospício da história.
Talvez haja quem não tenha se dado conta disso, mas foi publicada, com vigência para 90 dias, a Lei 14.197, de 01/09/2021, que, em resumo, revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN) e definiu crimes contra o Estado Democrático de Direito. Uma Lei há muito tempo aguardada, em trâmite por duas décadas, sendo seu relator inicialmente o saudoso ex-deputado e jurista Hélio Bicudo. Lei que acrescentou ao Código Penal um novo título tipificando crimes contra o Estado democrático, incluindo crimes contra o funcionamento das instituições no processo eleitoral; bem assim crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais, como a sabotagem.
Thomas Jefferson disse certa vez que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Talvez nunca antes quanto agora essa frase soe tão verdadeira aos ouvidos dos brasileiros. Que possamos voltar a falar de flores, passada a estiagem que só o off-white do medo produz.
Gustavo Freire, advogado
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