Saudades do tempo em que Monark era só uma inofensiva bicicleta

Artigo do advogado Ronnie Duarte sobre as declarações do apresentador Monark a respeito do nazismo
RONNIE PREUSS DUARTE
Publicado em 12/02/2022 às 0:00
Monark foi desligado do Flow após defender partido nazista Foto: REPRODUÇÃO DE VÍDEO/FLOW


Lembro-me da Monark, a minha bicicleta. Naqueles dias, antes dos 6 anos, divertia-me circundando o pilotis do prédio. Aos sete já podia arrodear, sozinho, o quarteirão. Aos onze era obrigado a voltar desacompanhado da escola, de ônibus. Durante as férias, subia no CDU/Caxangá/Boa Viagem para ir ao escritório, percorrendo a pé o então efervescente centro do Recife.

Nessas andanças fui assaltado duas vezes, morri de medo e entrei em pânico. Fui obrigado a continuar na mesma rotina, ouvindo do meu pai que "a vida é assim e precisamos enfrentar e superar as adversidades".

Para o entretenimento, as opções eram a rua, os gibis e, às vezes, um desenho animado na televisão.

Sofri corretivos físicos: o meu lombo conheceu uma calçadeira que tinha um cachorro na ponta (o "Precioso"), sentiu o estalar do cinto e a madeira do tamanco. Experimentei, desde a infância, castigos das mais variadas modalidades. Desejei coisas que não me foram dadas e ouvi muitos "nãos".

Mas foi um tempo em que, felizes, domamos os pequenos medos, conseguindo experimentar um pouco do mundo, preparando-nos para os desafios da adultidade. Daquela época não trago qualquer lembrança da notícia de episódios de suicídios, automutilações ou quadros depressivos severos antes da idade adulta.

Hoje, a maioria dos filhos da classe média chegam à idade adulta sem jamais ter entrado em um ônibus de linha. Alguns pré-adolescentes sequer podem descer sozinhos no próprio edifício. Costumam ter saciados todos os desejos materiais e são poupados dos dissabores, das negativas e das frustrações que superabundam na existência de todos nós. A "bolha" forma personalidades frágeis, privadas das oportunidades para o encaliço e, por isso, carentes daquela dose de resiliência que pode ser antídoto para distúrbios emocionais que agora são tão recorrentes.

Descobri que, hoje, Monark passou a ser um idiota com disenteria oral, um bostífero que enche a cara e fala barbaridades durante as transmissões. Pensava que não passasse de mais um aficionado pelo midiatismo de lacração perseguindo os seus "cinco minutos" de fama.

Surpreendi-me ao saber que aquele "desconhecido" está à frente de alguns dos podcast mais ouvidos do Brasil, empregando dezenas de funcionários e embolsando alguns milhões por mês. E que talvez os nossos filhos estejam na audiência, entretendo-se com o despautério, alimentando o monstro e fazendo-me ter muitas saudades do tempo em que "Monark" era só uma inofensiva bicicleta.

Ronnie Duarte, advogado

 

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