O que pretende um país que cerca o território vizinho com poderosas forças militares, blindados, infantaria e artilharia pesada, a leste e ao norte, e com poderio naval ao sul (só não fecha o cerco a oeste porque teria que invadir outros países)? "Não, não queremos invadir a Ucrânia", afirma o presidente, Vladimir Putin. Quem pode confiar na promessa de um governante que, há oito anos, invadiu e anexou a Criméia, território da Ucrânia no Mar Morto, e desde então apoia, financia e estimula uma rebelião separatista na parte oriental ucraniana? "Não queremos invadir a Ucrânia. É tudo histeria da OTAN", reforçam os russos.
Se não querem invadir, por que então esta enorme concentração de tropas e o ostensivo exercício militar nas fronteiras da Ucrânia? Chantagem. A Rússia está dizendo claramente que não vai invadir a Ucrânia a não ser que a OTAN rejeite a entrada deste país na aliança militar e desfilie os países vizinhos que foram parte do bloco soviético até o início dos anos 90 do século passado. Putin pode reclamar das limitações geopolíticas da Rússia e temer a presença da OTAN nos países vizinhos, mas a chantagem militar é um instrumento muito arriscado de pressão, podendo levar a ponto de não retorno, quando o recuo pode provocar desmoralização. A insensatez e o ressentimento passam, então, a comandar as decisões. No fundo, o que parece questionável é a própria existência da OTAN no mundo atual, depois que Pacto de Varsóvia, que reunia os países do bloco soviético, desmontou junto com a União Soviética.
O mundo está assustado com o clima de guerra na Europa, e todos sabem que não existem vencedores num conflito militar de grandes proporções. Sem o "equilíbrio do terror" entre as duas grandes potências nucleares que, durante a guerra fria, conteve os seus impulsos militaristas e expansionista, o que impede, atualmente, uma aventura militar é a enorme interdependência econômica global entre todos os países, aliados ou adversários. Uma guerra na Ucrânia agora e as sanções dos Estados Unidos levarão a um desmantelo completo e imediato da economia da Europa e parte da Ásia. Por isso, os países europeus não acompanham os Estados Unidos nas ameaças de medidas drásticas de ruptura contra a ameaça russa. Antes mesmo da mortalidade e da destruição militares, a guerra provocará uma profunda crise econômica, inflação, recessão e quebra da cadeia de suprimento. Afundam todos. Incluindo nós.
Sérgio C. Buarque, economista