Vivi extensas e intensas sete décadas e meio. A intensidade resulta da transição entre dois séculos experimentando distintos “espíritos dos tempos”, marcados por mudanças profundas, velozes e furiosas.
Com neurônios, tico e teco, ainda funcionando, lembro que fui contemporâneo do baixo-falante, antecessor do rádio; andei de carro de boi, vi um “foguete” desembarcar um homem na lua e ficaria honrado se Elon Musk me convidasse para um “tour” interplanetário. Tem mais: dormi sob a chama do candeeiro, acordei sob a tormenta da crise energética por conta da escassez d’água e de várias ameaças, alicerçadas na paradoxal noção de progresso em que o homem se tornou o lobo da própria humanidade.
Para resumir a profundidade das transformações, basta mencionar a revolução da internet que afetou, radicalmente, o conceito clássico de tempo e espaço: mudança de paradigmas civilizatórios que delineou uma nova era comportamental, a era narcísica, que, em síntese, atende a dois comandos: o excesso e o sucesso.
Perplexo diante de incertezas e contradições, julgo importante não perder de vista “a experiência do saber feito”, expressão de Paulo Freire, publicada na obra póstuma Pedagogia dos sonhos impossíveis, de inspiração camoniana (Os Lusíadas, no canto IV, estrofes 94-95) e que valoriza exatamente o senso comum, contrariando o ufanismo das grandes navegações.
Não se trata de defesa ingênua do valor da experiência dos meus coetâneos, mas reconhecer que ela ajuda a tomar consciência da própria ignorância como ensinou Sócrates.
A confusão de vozes das redes sociais, por exemplo, é uma ferramenta eficaz na luta pelo poder que as personalidades autoritárias, messiânicas, populistas usam para mobilizar ressentimentos, atiçar conflitos virulentos, seduzir os extremismos e fabricar “os gladiadores do povo”.
Não surpreende que, no Facebook (de janeiro a abril, em milhões de interações), a direita gerou 273, a esquerda 113, o centro 23; o Instagram, 400, 320 e 21, respectivamente. Tem robô.
O Centro Político ou Terceira Via, por inúmeras razões, revela uma faceta curiosa: apesar de improvável viabilidade política e eleitoral, os centristas são cortejados e disputados pelos candidatos das extremas. O ilimitado pragmatismo de Lula fez os seus radicais engolirem Alckmin; Bolsonaro lambuzou-se com o Centrão.
O poder do meio é uma realidade filosófica e política: a ética aristotélica apontava a virtude como a justa medida (a coragem entre a temeridade e a covardia); para governar, um fator de estabilidade.
As extremas fazem revoluções e podem ganhar eleições, mas não governam sentados em baionetas.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco