Na transição, para agradar a todos, muita gente atrapalha mais do que ajuda

Especialmente na área social, há o sentimento de que será necessário fazer oito anos em quatro. De fato, a área pela qual transito, a da educação, vai exigir isso mesmo. Há graves problemas a resolver,..
MOZAR NEVES RAMOS
Publicado em 04/12/2022 às 19:06
Reunião do Grupo de Transição da Educação do Governo Lula Foto: Mariana Leal/Divulgação


Muita calma nessa hora
Mozart Neves Ramos
Os governos que assumem a partir de 1º de janeiro de 2023 terão muitos desafios pela frente, desde a questão orçamentária aos legados impostos pela pandemia, que ainda se fazem presentes, em particular no campo da educação.
O número excessivo de pessoas nos diferentes grupos de transição, diante da necessidade de agradar a todos e a todas, vem atrapalhando mais do que ajudando. Cabem a torcida do Corinthians e mais alguns. O cenário que se descortina para 2023 não é dos mais animadores. Os governos vão precisar trabalhar com foco no que é essencial, com uma forte disciplina em relação aos gastos públicos.
Especialmente na área social, há o sentimento de que será necessário fazer oito anos em quatro. De fato, a área pela qual transito, a da educação, vai exigir isso mesmo. Há graves problemas a resolver, em decorrência não só da dificuldade que teve o governo federal, nos últimos quatro anos, de se articular e se coordenar com estados e municípios, mas também pelos impactos negativos que a covid-19 trouxe para a educação. Esses impactos são particularmente sentidos nos déficits de aprendizagens dos estudantes e no aumento da evasão escolar e da desigualdade educacional.
Os déficits de aprendizagens dos alunos egressos do Ensino Médio já começam a incomodar as universidades, sobretudo nos cursos que exigem maior grau de matematicidade, como é o caso das engenharias. A reprovação, que já era grande antes da pandemia, tornou-se monstruosa nos cálculos e disciplinas correlatas, como geometria analítica. Essa reprovação em massa vai impactar a taxa de desistência dos estudantes. No meu último artigo nesta coluna, abordei o fato de que, de cada 100 alunos que ingressavam no Ensino Superior, 59 ficavam pelo caminho – isso antes da pandemia. Os fatores que contribuem para que isso ocorra são múltiplos. Imaginem como ficará esse número nas áreas das ciências exatas e da natureza. Como se sabe, a matemática depende mais fortemente do fator escola do que a nossa língua materna.
Somam-se a esse legado as fortes restrições orçamentárias previstas para 2023, com impacto direto na merenda escolar, nas obras em andamento e nas verbas discricionárias das universidades federais para pagamento de custeio e manutenção. Não é à toa que o maior desafio do próximo governo federal, no atual momento, é a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para cobrir os “buracos” do orçamento para 2023.
Achando pouco tudo isso, alguns setores vinculados à área da educação já propõem o que está sendo chamado de “revogaço” de algumas normas e leis aprovadas nos últimos seis anos, como é o caso da Lei no 13.415/2017, que regulamenta o Ensino Médio. Já se investiram muitos esforços, muito dinheiro e muita energia na implantação dessa lei por partes dos gestores públicos. Aperfeiçoar seria a palavra certa. Penso que não devemos criar um clima de mais acirramento. Como disse o ministro do STF Ricardo Lewandowski é preciso pacificar o país e deixar polarização e mensagens de ódio para trás.


Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

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