Botei meu sapatinho...: para a Querida dona Raquel

...e como passei batido no Natal, quando deveria ter escrito uma cartinha começando pelo conhecido "Querido Papai Noel", e na esperança de não perder a oportunidade de pedir alguns presentinhos que, de antemão, já sei que não chegarão a tempo - as compras pela internet estão engarrafadas- re-nomeio o destinatário e dirijo-me a nossa querida Governadora recém eleita:

Querida Dona Raquel,

Sabe aquele buraco aqui na minha rua onde cabe um ônibus? -"Esse mesmo!". Gostaria muito que a COMPESA o tampasse (com o próprio ônibus dentro) e não tivesse que voltar sempre às duas da manhã pra martelar meu sono;

Falar em ônibus, a Senhora se lembra daquelas empresas que aumentaram o preço das passagens dizendo que iriam instalar ar-condicionado nos veículos? -"Essas mesmas!". Se a Senhora puder, Dona Raquel, arranje uns ventiladores pra gente e coloque mais ônibus (não naquele buraco!) pra circular nas horas de pico;

Sabe aquela promessa de campanha em que cada aluno da escola pública iria seguir seu "itinerário formativo" que terminaria no Jardim do Empreendedorismo? -"Não lembra? Que pena!". Pois se a Senhora puder, me arranja logo uma bicicleta (pode ser usada e sem freio!) e um desses pacotes imensos que a gente leva nas costas, que eu já vou começando minha carreira muito promissora de neo-empreendedor;

Sim! Sabe aquele "elefante branco" chamado Arena Pernambuco? -"Pois é: esse todo mundo lembra!". Se a Senhora puder dinamitá-lo e usar os tijolos para construir aquela Cidade da Copa (-"Lembra? "-Não!!!!") que nunca saiu do chão, eu ficaria tão feliz! Eu e os miseravelmente indenizados para deixar o local onde moravam há tantos anos!

Outra coisa: sabe aquele BRT (por favor não confunda com a Brigada Revolucionária da Tamarineira, que vem fazendo um trabalho pedagógico-libertador excepcional no antigo Hospital de Alienados, visando a instauração da República-Popular-Democrática -Socialista-Emancipatória-Decolonial-da-Zona-Norte)? -"Esse mesmo"! Aquele BRT que vai de Lugar Nenhum para Lugar Algum em 25 minutos (inspirado na abertura da Avenida Dantas Barreto de Augusto Lucena, e que quase enloqueceu o Doutor Airton da Costa Carvalho, à época diretor do IPHAN local, com a destruição da Igreja dos Martírios), se a Senhora puder desativá-lo e fazer das estações ponto de distribuição de alimentos para os moradores de rua, seria tão bom...

Falar nisso, sabe o Metrô? Não, esse deixa pra lá...

E se a Senhora tiver um tempinho neste alvissareiro ano que inicia, poderia dar um jeitinho nas Delegacias de Polícia do interior e da capital que mais parecem pocilgas? E, de quebra, oferecer uma outra formação à nossa gloriosa Polícia Militar, mais compatível com a noção de Direitos Humanos ("-Lembra?") e proteção ao cidadão, sem precisar nem matar crianças, nem adulterar as cenas dos crimes que eles mesmos cometem...

Ia esquecendo: sabe aquele concurso pra professores que aprovou 2.790 candidatos? "-Esse mesmo!". Se a Senhora não se incomodar, dava pra contratá-los em caráter definitivo, pra ver se em 2023 a educação estadual sai das mãos de estagiários e de temporários. E tenha a bondade de fazer o pagamento do retroativo do piso do magistério, se a Senhora se lembrar, claro! Não sei se a Senhora se recorda, mas todos os candidatos (inclusive a Senhora) fizeram promessas tão bonitas e tão factíveis para a educação - digo logo que acreditei em todas elas com todas as forças de minha "consciência crítica"!-, promessas que davam pra agradar de Jorge Paulo Lemann a Paulo Freire, de Platão a Mendoncinha, e se todos eles se encontrassem num futuro Reino que não seria mais o nosso, olhariam para baixo e veriam em Pernambuco o verdadeiro e bem sucedido PPP: Paraíso das Promessas Pedagógicas!

Eita, quase passei batido também! Sabe aquele teto do Hospital da Restauração que caiu em cima dos pacientes amontoados nos corredores? -"Exatamente!" Se a Senhora puder, faça como nossos deputados estaduais fizeram com o outro teto, o salarial: puxe o bichinho pra cima pra que não "caia". Aliás, pensando bem, esses tetos sempre caem: ou na nossa cabeça ou no nosso bolso!

Despeço-me da Senhora deixando, embora com injustificável atraso, meu sapatinho na janela do quintal, esperando, Querida Dona Raquel, que ele não seja roubado (aliás, se a Senhora quiser me dar um par novo eu aceito!), e que estas mal traçadas linhas encontrem a Senhora em paz e com boa saúde, enquanto eu fico aqui com minha esperança renovada. Aliás, se tem uma coisa que sempre se renova em mim é a Esperança. O problema é a realização dela...

Flávio Brayner, professor emérito da UFPE