Houve época em que o artista plástico Francisco Brennand reunia para almoçar em sua mansão na Várzea, aos domingos, o dramaturgo Ariano Suassuna, os poetas Tomás (Bebé) Seixas, César Leal (também crítico literário) e Fernando Craveiro (colunista do DP), para conversas sobre política, História do Brasil, do Nordeste e do Recife. E sobre literatura, principalmente Cervantes, Dostoiévski e Oscar Wilde.
É bom registrar que nesses regabofes não entrava bebida e que Ariano, César Leal e Fernando Craveiro não fumavam. Brennand fumava charuto (se não me engano), e Bebé, cigarro e cachimbo com fumo inglês Dami-hill, comprado numa tabacaria da Praça do Diário. Cerca de duas vezes por mês, Brennand, Ariano e César Leal visitavam Bebé em sua casa da Rua das Graças, vizinha à nossa, para o café da tarde, com suco de fruta, tapioca de coco, cuscuz, macaxeira e bolo Souza Leão.
Eu gostava de ouvir a conversa dessa turma, em particular as histórias de Ariano, com sua voz rouca e um tanto gago, assim como as narrativas de Bebé sobre Flaubert, Rimbaud e Baudelaire. Elas eram tão boas, eloquentes e lineares, que, ao narrá-las, sem titubear, despertavam grande interesse dos presentes, e isso fez Ariano dizer que quem melhor conversava no Recife era Bebé Seixas.
Eu "participava" delas, ou seja, entrava calado e saía mudo. César Leal e Fernando Craveiro eram meus camaradas, me aproximei de Ariano, e meus raros contatos com Brennand foram apenas cordiais e esporádicos.
Então ficou combinado que quando Ariano (que comandava seu time) fosse tomar café com Bebé, este me avisaria, e eu passaria pela brecha que tínhamos feito no muro dos nossos quintais, para facilitar minha locomoção. E pela brecha eu "penetraria", anônimo e quieto, para bisbilhotar a conversa do pessoal, sem ser notado. E o plano funcionou por muito tempo. Eram extraordinárias aulas grátis e práticas para mim.
Naquele dia, peruava o café, tímida e discretamente, um amigo nosso, que, magro e abatido, lutava contra o alcoolismo. Quando ele ia se despedindo, Bebé colheu um caju amarelo em seu cajueiro predileto e ofereceu ao nosso frágil alcoólatra: "Leve e chupe. Veja que não estou lhe sugerindo nada!" E a gargalhada ecoou na velha Capunga! Nosso companheiro alcoólatra recuperou-se, e passou a ser abstêmio, com o tratamento que fez com os psiquiatras Luiz Carlos Albuquerque e Luis Alberto Dobbin.
Arthur Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas