A relevância dos cem primeiros dias de um governo é uma tradição americana iniciada com o então presidente Franklin Roosevelt em 1933, que, naquela oportunidade, conseguiu tomar medidas importantes e estratégicas para colocar o país nos trilhos. Por isso, é comum considerar esse período como referência para saber qual é o tom a ser empregado pelo novo governo, tanto na esfera econômica como na social.
Os cem primeiros dias do terceiro governo Lula foram marcados por uma dose elevada de expectativa em relação a uma agenda positiva para o país em vários setores. Sem ter uma base política sólida no Congresso para apoiar algumas das reformas pretendidas nesse período, o presidente foi obrigado a negociar com vários partidos não só alguns dos ministérios como também cargos nos escalões superiores desses ministérios.
Avanços na área social já foram sentidos, as maiores dificuldades para avançar na velocidade esperada ocorreram no campo da economia, apesar de reconhecermos que o ministro Haddad vem fazendo das tripas coração - mas o jogo é pesado, e a herança encontrada não foi das melhores.
No campo da educação, esperavam-se novos ares com a chegada do ex-governador do Ceará Camilo Santana, tanto pelo belo trabalho realizado na alfabetização das crianças aos sete anos de idade como na construção de um regime de colaboração com os municípios cearenses. Além disso, ele trouxe consigo nomes queridos e respeitados da educação daquele estado, como Izolda Cela e Maurício Holanda - ex-secretários de Educação do Ceará. Entretanto, as nomeações para o segundo escalão das secretarias do Ministério da Educação não andaram na velocidade esperada, tanto pela questão política, já aqui mencionada, como também pela financeira - viver em Brasília custa caro e as remunerações muitas vezes não atraem quadros técnicos de outros estados.
Penso que o Ministério de Educação ficou refém de uma agenda negativa, não conseguindo, até aqui, impor seu ritmo. Refiro-me, em particular, à implementação do Novo Ensino Médio (NEM), se deveria ser revogado ou aperfeiçoado. O pior é que até agora isso não foi resolvido. Os secretários estaduais de Educação não querem seguir a suspensão de implementação proposta pelo MEC e têm apoio de vários Conselhos Estaduais de Educação; na minha opinião, os secretários estão certos, pois há uma lei em vigor. O ministro estava correto ao abrir uma consulta pública para avaliar o quadro, mas perdeu-se ao suspender sua implementação.
No Ensino Superior o desafio - no curto prazo, se concentra na política de abertura de novos cursos de medicina - um mercado de bilhões de reais. Nos últimos anos, pela ausência de posição do próprio Ministério da Educação, isso estava ocorrendo por meios judiciais, numa brecha deixada pela legislação. Nesse campo, o MEC acabou de lançar portaria normatizando o processo, colocando ordem na casa, mas ainda precisa ver o que vai fazer com os mais de duzentos processos que aguardam decisão judicial.
O Brasil tem urgência de recuperar os últimos quatro anos, e cem dias já se passaram. Tenho dito que serão oito anos em quatro. Há uma fila de questões esperando pelo MEC, tais como a implementação plena do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o novo Plano Nacional de Educação (PNE), o novo arcabouço do sistema de avaliação, tanto para a Educação Básica como para o Ensino Superior, sem falar numa política de financiamento estudantil para acesso a este último. O ministro Camilo Santana sabe que há muito a fazer e que o tempo urge, assim ele precisa ser mais assertivo e pragmático.
Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.