Ao longo de 3 décadas, a Lei Rouanet foi alvo de muitas polêmicas e críticas. As mais difundidas dizem respeito à destinação de recursos públicos a projetos como o da turnê brasileira da maior companhia circense do mundo e a grandes shows e peças de artistas já consagrados pelo público.
Apesar de boa parte das críticas ser pertinente, não se pode negar que os incentivos da Lei Rouanet fizeram a Cultura brasileira "respirar" nesse longo período. Porém, é importante destacar que essa "respiração" não se deu com a mesma força por todo o Brasil. Ao contrário, os incentivos deixaram de alcançar a maior parte daqueles que, verdadeiramente, fazem a nossa Cultura. Isso decorre da extrema concentração, nas empresas, do poder decisório sobre que projetos ou tipos de projetos culturais merecem ser apoiados ou incentivados.
Mais especificamente, nas grandes empresas, que apuram o imposto de renda pelo lucro real, condição obrigatória, estabelecida em lei, para poder haver a dedução no IR dos valores aportados nos projetos. Essas empresas, em sua maioria esmagadora, são sediadas no Sul/Sudeste.
Ao longo desse período, foram efetivamente destinados aos projetos da Rouanet R$ 26 bilhões. Valor pequeno, considerando-se que, apenas para este ano, está estimada uma renúncia fiscal total, pela União, de R$ 456 bilhões.
De fato, a distribuição desses recursos ao longo do Brasil foi muito discrepante. Dos R$ 26 bilhões, 91,6% foram aportados em projetos culturais do Sul/Sudeste do País; 5% para o Nordeste; 2,5% para o Centro-Oeste; e 0,9% para o Norte.
Dados de 2023 - até o início de junho - demonstram a continuidade dessa concentração: projetos do S/SE receberam 90,7% dos recursos deste ano, valendo ressaltar que vivem nessas duas regiões 57% da população brasileira. Para o Nordeste, que tem 27% da população, apenas 6% dos recursos neste ano.
Com uma magnitude tão grande, essa concentração regional de recursos, exige profundas e urgentes alterações, pelo que apresentamos algumas propostas de alterações legislativas: a primeira é que se permita que, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os projetos possam ser patrocinados, também, por empresas que apuram o IR pela sistemática do lucro presumido; a segunda, que, nessas regiões, os limites para dedução, passem para 20% e 15% do IR devido, respectivamente, por pessoa física e pessoa jurídica (em vez dos atuais 6% e 4%); a terceira é no sentido de que as estatais só possam patrocinar projetos dessas 3 regiões (N/NE/CO).
Essas alterações diminuiriam, sobremaneira, o enorme fosso hoje existente na aplicação dos recursos da Lei Rouanet em projetos do Sul/Sudeste, em comparação ao restante do País.
Uma outra sugestão seria a criação de mecanismos que garantam a destinação de, ao menos, 50% dos recursos a projetos que o senso comum considera merecer apoio estatal: a Cultura popular e manifestações culturais reconhecidas como patrimônio cultural brasileiro.
Nilo Otaviano, auditor fiscal e produtor cultural