Quando surgia um tema menos usual ou mais complicado, sem solução fácil na lei ou precedente jurisprudencial, o jeito era recorrer aos grandes doutrinadores, entre os quais avultava Pontes de Miranda, cujo Tratado de Direito Privado, em 60 volumes, continha todas as respostas. Só em Pontes encontrei a solução para o caso de uma associação civil que tinha sido constituída com recursos públicos, e se manteve assim, porque a entidade que dotara o dinheiro não tinha providenciado a escritura de constituição da fundação, de modo que, segundo Pontes, de doação se tratava. Pois então, era Pontes no direito privado, mais Carvalho Santos, Requião, autores estrangeiros, Cunha Gonçalves, por exemplo, Betti e sua teoria do negócio jurídico, e no processo civil gostávamos de invocar, entre os estrangeiros, Liebman, e os comentaristas do código de processo civil, para mim, o mais estiloso sendo José Carlos Barbosa Moreira.
Então, houve uma época, eu diria até os anos 80, em que a produção forense brasileira era repleta de Pontes, Liebman e doutrinadores desse nível. Dos anos 80 a 2000, surgiram como grandes novidades os comentaristas de códigos com anotações e resenhas jurisprudenciais, destacando-se Theotônio Negrão, tanto no processo civil como no direito civil, e Maria Helena Diniz no direito civil. Não eram aprofundados, mas eram certeiros e traziam informações suficientes para reflexões, ambos, Theotônio e Maria Helena sendo grandes juristas, a forma encontrada para atingir a comunidade dotada de um toque de originalidade e de muita eficácia. Obviamente, quem se limitasse a conduzir sua prática e sua produção jurídica apenas por eles se teria visto em dificuldades nos grandes temas de que falei acima.
Como consequência da produção jurídica arrimada em grandes doutrinadores, os juízes e tribunais tinham que seguir o passo para analisar as teses sustentadas, de sorte que a produção jurisprudencial também era magnifica, ao menos nos principais tribunais do país e notadamente no Supremo Tribunal Federal, constituído de juristas de escol, entre os quais avultava o próprio Barbosa Moreira.
De 2000 para cá, porém, a produção jurídica decaiu, as petições e decisões se arrimando em sítios eletrônicos. É raro ver o advogado que pesquisa com seriedade a questão jurídica a partir de seus delicados contornos e enquadramentos no ordenamento, e, muitas vezes, obras lançadas a esmo na rede são citadas nas peças forenses. Isso tudo faz parte da nova realidade, em que o livro saiu das prateleiras e escondeu-se na web, as faculdades ministram aulas on- line e o advogado iniciante, antes de redigir uma apelação, assiste a um vídeo sobre redação de apelação. E, por certo, nunca ouviu falar de Pontes de Miranda e, garanto, nem mesmo de Theotônio Negrão. Qual a solução? Não tem. A internet nos venceu. E, apesar de todas as suas maravilhas, lançou-nos no reino da superficialidade, da mediocridade e da falta de conteúdo.
João Humberto Martorelli, advogado