Violência e arma de fogo

As políticas de apreensão de armas ilegais e de controle de novos registros de armas são fundamentais para o fortalecimento do Estado como monopólio da força e da violência legal
JOSÉ MARIA NÓBREGA
Publicado em 29/07/2023 às 18:14
Mesmo com a flexibilização, ter acesso a uma arma de fogo, que começa com as exigências legais e termina com o valor nada acessível Foto: PF/DIVULGAÇÃO


A maioria dos estudos que relacionam armas de fogo à violência, tem como conclusão que a maior circulação de armas de fogo é uma das principais causas para o descontrole da violência. Quando o então Presidente da República, Jair Bolsonaro, flexibilizou o acesso à posse de arma de fogo em 2019, resultado de suas promessas de campanha em meio à falência do Estado na Segurança Pública, a histeria dos desarmamentistas foi enorme!

Analisando o recém lançado Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), percebemos que a flexibilização do “Decreto das Armas” de Bolsonaro fez explodir os novos registros de armas no Sistema Nacional de Registro de Armas (SINARM) e na Polícia Federal.

A variação percentual no comparativo 2017/2022 foi de 144,3% de crescimento, saltando de 637.972 novos registros em 2017, para 1.558.416, em 2022.

Em média, 80% das Mortes Violentas Intencionais (MVI, que corresponde ao somatório de homicídios dolosos, latrocínios, agressões seguida de morte da vítima, mortes decorrentes de intervenção policial e assassinatos de policiais) são perpetrados por arma de fogo.

Contudo, enquanto novos registros variaram positivamente e de forma expressiva no período, a violência medida pelas MVI sofreu recuo de - 26%. No período, o total de MVI foi de 258.230, com uma média de 51.646 óbitos, um patamar ainda muito alto. O ano mais violento foi 2017 com 64.078 MVI, e o ano menos violento foi 2022, com 47.508 registros.

Quando avaliamos a correlação entre as matrizes de dados (os dados de registros com os de óbitos), temos forte associação entre esses novos registros de armas com a queda das MVI demonstrada pelo coeficiente da correlação (R= -0,850).

Sabemos que correlação não indica causalidade, nem é isto que queremos afirmar aqui. As políticas de apreensão de armas ilegais e de controle de novos registros de armas são fundamentais para o fortalecimento do Estado como monopólio da força e da violência legal.

Antes de qualquer avaliação de uma política específica, é fundamental entender como as instituições coercitivas vêm funcionando nas suas funções básicas. Sabemos que os indicadores de investigação criminal, controle do sistema carcerário, inteligência policial, prevenção da criminalidade, ocupação de espaços, prisões de homicidas seriados dentre outros indicadores são muito ruins. Os déficits nessas searas são expressivos e recebem pouca atenção dos gestores públicos.

Pelo que parece, a política de flexibilização deu maior controle do Estado nas armas de fogo e, por sua vez, essas armas não foram responsáveis, em sua maioria, pela violência. Ao menos, a correlação mostra uma associação negativa.

Para a aquisição de uma arma de fogo, o cidadão comum tem de ser residente de área rural, ou urbana com elevados índices de violência, considerada as unidades federativas com índices anuais de mais de 10 homicídios por cem mil habitantes.

Ser titular ou responsável legal de estabelecimento comercial ou industrial e/ou colecionador, atirador e caçador, devidamente registrado no Comando do Exército; deve ser maior de 25 anos de idade e não ter antecedentes criminais.

Portanto, não é fácil, mesmo com a flexibilização, ter acesso a uma arma de fogo, que começa com as exigências legais e termina com o valor nada acessível para a maioria da população brasileira que tem rendimento per capita de R$ 1.353,70 e que 86,1% dos residentes do país vivem com, no máximo, dois salários mínimos.

O acesso à arma é restrito aos mais ricos. No Brasil, apenas 7,5% têm rendimento domiciliar per capita acima dos três salários mínimos (IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. 2022).

Partindo dessa premissa, a maioria que teve acesso à política do decreto de Bolsonaro faz parte da minoria econômica. Sendo assim, esses mais de um milhão e meio de registros do último ano da série e o impacto da variação percentual teriam intimidado a prática de violência pessoal, ou foram outros fatores causais?

O que sabemos é que a melhoria nos indicadores institucionais resultam em maior controle da criminalidade. Flexibilizar ou recrudescer o acesso as armas de fogo, ou seja, a novas armas e novos registros, não seria determinante para o controle da criminalidade, principalmente a mais violenta.

O controle, com flexibilização ou não, é o ponto fulcral do debate. Mais ou menos acesso às armas não importa, o que importa é o controle do Estado sobre essas armas, o velho monopólio estatal da força, com o controle das variáveis institucionais, tais como: investigação criminal, prevenção, preenchimento dos espaços, fim das cracolândias, controle do sistema carcerário e assim por diante.

José Maria Nóbrega, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática (NEVCrim)/CNPq/UFCG.

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