Um diferente agosto, mês da advocacia

"Há um princípio que não admite qualquer transigência, que é o de que, sem igualdade e liberdade, não há advocacia, e sem a advocacia, não há nem igualdade, nem liberdade". Faoro segue atual
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 02/08/2023 às 0:00
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Foto: DIVULGAÇÃO


Depois dos acontecimentos do 8 de janeiro em Brasília, sobre os quais tanto já foi comentado, este é um agosto, mês tradicionalmente dedicado à advocacia e à fundação dos cursos jurídicos, com um significado sem dúvida diferente.

É um agosto voltado à reafirmação não só da sacralidade do ideário democrático, cuja defesa inadmite vacilações e longe da qual nada frutifica de saudável no interesse coletivo, como para o restauro do mínimo bom senso civilizatório, combatendo-se a grave doença que é o ódio e o grave erro que é supô-lo faceta da liberdade de expressão.

Neste 2023, a ênfase buscada para a efeméride deve perpassar o compromisso com o Estado Democrático de Direito, à margem do qual não há salvação, relegando-se não aos domínios constitucionais, mas aos da legislação penal, qualquer iniciativa propensa a deturpá-lo (no pior estilo "prendo e arrebento").

Em meses, a deposição do Presidente João Goulart e o estabelecimento da ditadura entre nós completará 60 anos. Haverá, como sempre, as viúvas que prantearão o passado e os que escolherão a leitura dos relatos isentos. Se é inapagável o contributo do direito como sustentáculo da legalidade autoritária (inclusive, em um primeiro momento brevíssimo, mas real, da própria OAB), na outra margem do rio, parafraseando Danilo Pereira Lima em artigo para o Consultor Jurídico (25/03/2023), vão inevitavelmente estar os que foram capazes de cair em si e os que nunca se deixaram iludir pelas histórias do bicho papão comunista.

Por mais que a ditadura tenha se esforçado para comunicar que o Brasil continuava uma democracia, já que permitia o bipartidarismo, o normal funcionamento dos Poderes e o devido processo legal, foram os advogados a voz que furou a bolha, expondo a nu os sequestros, torturas, prisões e assassinatos como políticas de Estado, além da censura prévia. Advocacia cujo grande papel, segundo seu patrono, Rui Barbosa, não se dá na calmaria, mas ao arrostar o poder dos déspotas, apresentando aos Tribunais o caráter supremo dos povos livres.

Decorrido tanto tempo dos primeiros e gélidos ventos daquele longo ciclo de trevas, chega-se à quadra contemporânea, de sangrenta divisão ideológica, fertilizando o terreno para ataques sistemáticos à própria democracia. O desaguadouro disso tem no 8 de janeiro o seu hino. Novamente, porém, a advocacia não se calou, nem se calará.

Assim como, diante do quantitativo de detidos pelo vandalismo testemunhado na ocasião, os advogados não hesitaram em protestar pelas dificuldades de acesso aos inquéritos, tanto quanto, nos tempos lavajatistas, contestaram a máxima de que, no combate à corrupção, os fins validam os meios para se evitar o mal maior da impunidade. Também quando denunciaram o "processo penal do espetáculo", por vezes apanhando com a covardia inerente ao tribunal das redes sociais. Por igual, quando reagiram às investidas à confidencialidade das informações confiadas pelo cliente, contrapondo-se às pressões pela quebra desse sigilo, que, muito longe de ser uma cortina de fumaça, é o que assegura que a investigação séria prestigie a ampla defesa e o contraditório, e, portanto, proporcione uma apuração justa de culpas.

A advocacia é isso: luta, inclusive, contra a impopularidade. Luta seja pelo respeito a essa que é a única profissão afirmada essencial na Constituição vigente, seja contra os discursos que a reduzem a sinônimos impublicáveis, seja pelo não prejulgamento e pela observância da presunção de inocência, seja pelo atendimento célere e consequencial nos balcões e gabinetes judiciários, seja por honorários fixados sem preconceitos, alicerçados em bases dignas.

Fazendo deste artigo homenagem a cada colega e a todo o sangue e suor derramados nesse protagonismo de quem torna a palavra, arma, e a esperança, cântico, autênticos sentinelas da cidadania, enfim, cito Raymundo Faoro, então Presidente Nacional da OAB, quando afirmou, do alto da sua inabalável respeitabilidade: "Há um princípio que não admite qualquer transigência, que é o de que, sem igualdade e liberdade, não há advocacia, e sem a advocacia, não há nem igualdade, nem liberdade". Faoro segue atual. Viva a advocacia brasileira.

 

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

TAGS
OAB Advogados advocacia
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory