“Winston amava o Grande Irmão!” A frase encerra o romance distópico 1984, escrito por George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair, um dos mais importantes escritores ingleses do século 20), confirmando a rendição do personagem aos poderes do sistema.
Publicado em 1949, portanto logo após o fim da segunda guerra mundial, a obra revela uma crítica mordaz aos regimes totalitários, vitoriosos ou derrotados, naquela trágica passagem da humanidade para a era da espada de Dâmocles da destruição atômica.
O Grande irmão é uma figura construída por hierarcas do “partido” com a intenção de aprisionar os cidadãos de um país fictício chamado Oceania.
Uma sociedade dividida em três castas: a cabeça do partido, que tudo determina, o partido externo, que cumpre fielmente as regras, e os proletas, os párias da organização social.
Vigiados por teletelas e microfones escondidos em todos os lugares, vivem sob apreensão de serem apanhados em desvios de pensamentos e, em consequência, sofrerem as punições nas mãos da polícia das ideias, em seus impecáveis uniformes pretos.
Penas e punições que, aliás, não constam de regramentos jurídicos como os conhecemos e são decididas ao prazer dos captores. Dentro daquele Estado não existe lei e apenas a regra: obediência absoluta em ação e pensamento.
A história é reescrita diariamente no Ministério da Verdade, onde só mentiras prevalecem, apagando ou criando fatos e personagens que validem um passado que justifique aquele momento. Um passado que amanhã pode ser diametralmente distinto sem que ninguém se preocupe de questionar.
O partido entendia que se todos os registros contassem a mesma história, a mentira se tornaria história e viraria verdade: “quem controla o passado controla o futuro e quem controla o presente controla o passado”.
Mas Winston questiona e sofre na mente e na carne as consequências de pensar diferente e com base em avaliações pessoais.
A trama se desenrola em torno da luta de consciências entre os personagens Winston e O´Brien, um proeminente líder do partido, que monitora milimetricamente a vida de seu alvo de transformação, até que o aprisiona e o faz passar pelas fases de reconstrução de sua identidade.
O objetivo final desejado pelo partido é que as pessoas possam sustentar simultaneamente duas crenças contraditórias na argumentação, aceitando ambas. Para alcançar-se o fim desejado, justifica-se o emprego de quaisquer meios.
Recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se moralista, esquecer tudo o que for necessário esquecer, para depois reinstalar o esquecido na memória.
Dois mais dois são cinco. Para Orwell esses padrões, absurdos à primeira vista, tornaram-se um aspecto cotidiano da vida política inglesa e mundial no ambiente de insegurança do final da década de 1940.
O romance foi considerado subversivo, um protesto contra as artimanhas dos governos (sem qualquer distinção de coloração), mas permanece atual e merecedor de cuidadosa leitura pelos genuínos Winstons que existem em nossas vidas, a fim de identificar se 1984 não teria agora melhor título, talvez: 2024.
Afinal, o smartphone pode ser a traiçoeira teletela do romance de Orwell. As reuniões na liga anti-sexo, plenas de urros e contestações, podem ser as bolhas digitais das mídias sociais.
A Novafala pode ser a linguagem apocopada das mensagens de “zap”. As ligas da juventude e dos espiões podem ser os grupos políticos extremados que agem no submundo da sociedade.
Winston convenceu-se de que a razão estava com ele e lutou para prová-la. O óbvio, o tolo, o verdadeiro tinham de ser defendidos. O mundo sólido existia, suas leis naturais não mudavam, as pedras eram duras, a água era úmida, a Terra girava em torno do Sol.
“Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro. Se isso for admitido, tudo o mais é decorrência”.
A destruição do corpo e da mente de Winston, a ponto de fazê-lo “amar o Grande Irmão”, foi o apelo que Orwell encontrou para alertar o mundo sobre o perigo do autoritarismo.
Eric morreu sete meses após a publicação dessa magnífica obra e, como fonte de inspiração, caros leitores, certamente não se deixou derrotar.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de divisão da reserva