OPINIÃO

Da (ex)tensão à (in)tensão (universitária)

A cultura é um lugar de TENSÃO, quer dizer, nela está em jogo a agonística entre Natureza e processos sociais institucionalizados, entre o dado e o adquirido, entre a permanência e a mudança, entre verdades diferentes e válidas, entre identidades em convívio e em conflito

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 05/09/2023 às 23:55
Ministra Margareth Menezes de lançamento de editais do Ministério da Cultura na Concha Acústica da UFPE
Ministra Margareth Menezes de lançamento de editais do Ministério da Cultura na Concha Acústica da UFPE - MARCOS PASTICH/PCR

Tive a honra de ser convidado pelo Reitor Alfredo Gomes (UFPE) para participar da reunião dos dirigentes de nossa Universidade com a Ministra da Cultura Margareth Menezes. Naquela ocasião, Alfredo me franqueou a palavra para que eu pudesse expor - "em dois minutos!" - um projeto cultural em que venho insistindo há algum tempo: a reativação das antigas "Praças de Cultura" do MCP (1960-1964), imaginadas e executadas pelo artista plástico Abelardo da Hora. A Ministra me pareceu bastante receptiva ao projeto, mas, como aprendi, dolorosamente, que a política é o lugar de todas as esperanças e desilusões...

O que me chamou a atenção naquele encontro foi o grande interesse do Reitor em dar especial atenção à "cultura", ao ponto de pensar na possibilidade de criação de uma Superintendência universitária especial para a área. E espero que, aqui, minha esperança supere a desilusão!

A ideia de EXTENSÃO universitária, nascida, entre nós, pela iniciativa de Paulo Freire à época do reitorado de João Alfredo da Costa Lima, no início dos anos 60, previa que a "cultura universitária" poderia se projetar no interior do social - uma política de "extensão" do saber elaborado- e a própria universidade poderia se fazer penetrar, não apenas por demandas sociais externas, mas refletir sobre as diversas linguagens em que a cultura circulante no social é expressa. Apenas um exemplo para ilustrar minha tese: o pernambucano Antônio Carlos Nóbrega foi, durante muito tempo, professor de Danças Brasileiras na prestigiosa UNICAMP!

A cultura é um lugar de TENSÃO, quer dizer, nela está em jogo a agonística entre Natureza e processos sociais institucionalizados, entre o dado e o adquirido, entre a permanência e a mudança, entre verdades diferentes e válidas, entre identidades em convívio e em conflito, entre o que somos e o que poderíamos ser, entre a claridade e a escuridão... Aquilo que chamamos de EX-TENSÃO (universitária) é a possibilidade de que um tipo de saber conceitual (humanidades, ciências da natureza, ciências da vida, linguagens, estética...) possa chegar ao "senso comum": um gesto de esclarecimento (mais do que "iluminista") que visa oferecer à sociedade critérios mais elaborados nas escolhas que faz, inclusive políticas, critérios absolutamente necessários à existência dos regimes democráticos. É aqui onde entrevejo a importância e a relevância de um projeto que reative, republicanamente, as chamadas Praças de Cultura (projeto que envolverá a Secretaria de Cultura do Recife, a Fundaj, a Fundação Abelardo da Hora e as Universidade Federal e Rural.

Mas parece que nosso Reitor também está interessado não apenas numa política "ex-tensionista", mas também num programa de, e peço licença pelo neologismo, IN-TENSÃO: se a Extensão se volta para o que está "fora" de nossos muros", a IN-TENSÃO se dirige ao que nós mesmos produzimos internamente e nunca tomamos conhecimento. Não se trata apenas de "se fazer conhecer", mas de "nos conhecermos a nós mesmos". Não basta derrubar muros, temos que atravessar a rua! A ideia é criar um encontro permanente de alunos, técnicos e professores apresentando suas produções artísticas e intelectuais ao próprio público universitário (ou a quem se interessar!) utilizando de todos os meios de divulgação de que a universidade dispõe e criando um canal institucional de expressão, nos moldes do CURTA UFPE.

Não me cansarei de repetir, sobretudo depois que nossas universidades sofreram um ataque sistemático e planejado sob o governo Bolsonaro, que precisamos defender a Universidade: mais do que os portos ou aeroportos, as universidades são o lugar mais aberto e universal de que uma cidade dispõe, onde pessoas e ideias podem eventualmente circular sem passaporte, sem visas e permissões. Mas para isso precisamos dizer aos "outros" qual a razão de existirmos e de defender nossa permanência, mostrando que cultura e democracia são irmãos siameses!

Concluo deixando registrado publicamente meus agradecimentos àqueles que abriram os braços para esse projeto que apresentei: Ricardo Mello, Alfredo Gomes, Marcelo Carneiro Leão, Márcia Ângela Aguiar e Daniel da Hora.

Flávio Brayner,  professor emérito da UFPE e visitante da UFRPE

 

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