Vicente Moreno, Moreno? Vicente de todas as cores. Nem apenas sobrenome, nem cor de pele acastanhada. Ele carregava e transmitia o simbolismo de todas as cores. Uma nuvem branca fazendo chover a paz entre as pessoas. Concórdia, união, afeto, solidariedade.
Pintava de azul por onde passava. Alma serena, repartia com todos a tranquilidade do sorriso leve e franco. Com as mãos, oferecia o pão-verde da esperança às vítimas do infortúnio. Nele, não havia lugar para o sorriso amarelo, desolador. Da cor, encarnava a luminosidade solar que inspirava, aonde chegava, leveza, otimismo, alegria.
Do vermelho, tão elevado espírito, extraia a força do bem, do calor amigo e do amor ao próximo.
Vicente nos deixou no dia 30/08, mergulhados no sentimento e carências da orfandade. Tristeza profunda, sofrimento intenso, imenso, para os amigos e, sobretudo para Douglas, Dimitri, Ana Karenina, o netinho Vicenzo e sua companheira de mais de 50 anos de amor: Nicinha, tão meiga e doce quanto o carinhoso diminutivo que a distinguia.
Meu vizinho. Subia um lance de escada do quinto para o sexto andar e lá estava eu (na última vez com o querido Zelito Nunes, compadre dele, e o grande amigo Mauro Ramos) recebendo o afago da hospitalidade e desfrutando da farta e saborosa da mesa do sertanejo de Várzea Alegre, município Cariri cearense, repleta de guloseimas, muitas delas importadas, da cidade onde nasceu.
O destacado advogado, respeitado pela comunidade judiciária, clientes, amigos e até pelas partes contrárias nos litígios processuais, Vicente Moreno cultivava com admirável apego suas raízes de Várzea Alegre, tratada com refinado senso de humor como Happy Valley.
Me contava com indisfarçável emoção, muitas vezes poeticamente (declamava bem os “repentes”), as viagens à terra de origem quando dirigia milhares de quilômetros, sob meus amistosos protestos. E no espaço das recordações, relatava a chegada ao Recife e o esforço paterno para educar uma prole numerosa.
Preocupado com meus achaques, cuidava de mim, fraternalmente. Lembro das compressas com ervas que me deu para curar as dores da idade. Tinha por hábito agraciar os amigos com mimos portadores do selo de qualidade e originalidade do Happy Valley. Rapadura, compotas variadas e os pernis de bode assado adoçavam nossas bocas e amainavam o pecado da gula.
Querido amigo Vicente, me esforço para compreender a morte. E de que adianta compreender, aceitar ou negar? Ela é inevitável. Implacável. O que fazer com o luto e com a dor pela perda dos entes queridos já que não posso abraçá-los? Usar a memória como a arte de esculpir na alma o ente querido que se perdeu. Assim, a gente vê, toca para seguir juntos no agora e no sempre da Eternidade.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco