35 aniversários da Constituição, o documento da cidadania
Minha sincera admiração a tudo aquilo que de bom e edificante representa a Constituição de 1988 no seu trigésimo quinto outono
O 5 de outubro recente trouxe consigo a reboque a convocação coletiva a uma reflexão com olhos de realismo esperançoso (citando a autodefinição do saudoso Ariano Suassuna) sobre os 35 anos da Constituição Cidadã.
Longe de ser uma efeméride jurídica, trata-se de um marco reafirmador da enorme vocação do Brasil para ser tudo aquilo que o espírito mentor do constituinte do pós-regime militar pretendeu que o País fosse e seja.
Falar da Constituição Cidadã é falar das liberdades e direitos que ela abraçou como individuais fundamentais, assim como é a reincursão em mergulho olímpico aos preciosos ensinamentos que a longa avenida já percorrida nos propiciou acumular.
O texto constitucional em si é inegavelmente poético desde o seu preâmbulo. Falta-lhe, contudo, como cheguei a ouvir do mestre e amigo Nabor Bulhões, citando Mauro Capeletti, eficácia, pois virtudes lhe sobram e dela até transbordam.
Enquanto obra humana, é anos-luz mais virtuosa que incorredora em falhas, sobretudo porque assinala o recomeço republicano depois de vinte e um invernos siberianos sob as trevas da dor das mortes matadas com ares de mortes morridas, alteregos das ditaduras.
Em que pese analítica em aparente excesso, surge com a tarefa de curar feridas do passado e retomar a agenda dos direitos humanos, restituindo a Nação ao plano civilizatório, pondo-a enfim, como protagonista e não como figurante no palco de um mundo cada vez mais em integração.
Graças às suas melhores intenções, gerações inteiras aprenderam e as suas antecessoras reaprenderam que cidadania é possuir direitos e participar do destino coletivo, é votar e ser votado, é ser ouvido e expressar sua opinião, mas é também assumir deveres. Do latim "civitas", o vocábulo remete a "cidade" e à quadra histórica onde se reconheciam direitos e deveres aos indivíduos justamente por essa sua condição.
Hannah Arendt disse, não por acaso, que cidadania "é a consciência que o indivíduo possui do direito a ter direitos". Praticá-la é enfim plantar, regar e adubar a baraúna da democracia e conservar firmes suas raízes. Não existe cidadão, e, por conseguinte, cidadania, sem democracia, nem vice-versa.
Enquanto mãe de todas as leis, a Constituição inoculou a promessa de devolver à sociedade o protagonismo do seu destino, mas segue em pontos centrais utópica, meio que presa aos domínios de uma peça de ficção. Ora, se todos são iguais, o que explica o preconceito? Se a democracia é intocável, como justificar o 8/1?
Ainda que algumas vozes ensaiem interpretá-la pregando entre o absurdo e o inconsequente, aos trancos e barrancos, a Carta Magna tem resistido aos ataques sem perder sua vocação essencial. Precisa, insista-se, em estratégicos quadrantes, transpor o papel. Mas a planta baixa do caminho a ser trilhado é a dela e não outra.
Enquanto projeto, mudou a cara do País. É fato. O fez tornar a sorrir o sorriso de ser livre outra vez. É fato também. Soube ser caixa de ressonância da efetiva participação popular. Celebrou - é fato - um matrimônio indissolúvel com o sentido de democracia como repositório das liberdades. Mas ressoa também fato que o seu potencial a qualifica a ir bem mais longe.
Não se cuida de uma fortificação à prova de terremotos. A responsabilidade por defendê-la a partir dos seus eixos fundantes é de todos, não apenas dos representantes eleitos. Defesa, inclusive, contra os que, dizendo-se adeptos das regras, as desafiam. Na sua grade de programação, não deve haver elenco, nem roteirista, para seriados de zumbis (o passado ditatorial), mas sempre para conteúdos que exaltem a vida que se renova no berçário da democracia.
Fica a advertência de Ulisses Guimarães no discurso quando da cerimônia de promulgação, para que principalmente a juventude não se deixe iludir: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito".
Minha sincera admiração a tudo aquilo que de bom e edificante representa a Constituição de 1988 no seu trigésimo quinto outono.