Em outubro de 2022, o Brasil vivenciava um dos mais intensos (e tensos) processos eleitorais da história recente, com a disputa presidencial polarizada entre Lula e Bolsonaro, em um contexto de acentuada guerra de narrativas que impactava, inclusive, as percepções sobre o sistema eleitoral. Entre as mais diversas teses sobre o significado daquela eleição, havia a interpretação de que o comportamento do eleitor brasileiro sofreu transformações significativas nos últimos anos, entre elas uma ampliação do ativismo e do debate político nas mais diversas esferas da sociedade. O tempo, como senhor da razão, pode nos ajudar a entender melhor aquele contexto, com novas lentes e percepções. Quais as principais lições aprendidas a partir de 2022?
A primeira delas foi uma revisão sobre quais os riscos reais a democracia brasileira sofreu ou ainda sofre. É comum em democracias ainda em consolidação, como a nossa, a existência de ondas de apoio a esse sistema, alternadas com fases em que se questiona a sua pertinência e capacidade de responder adequadamente aos anseios populares.
Seja em “nome da ordem”, “em nome da segurança” ou para evitar um “colapso social”, evoca-se - equivocadamente - o estabelecimento de regimes ditatoriais, construídos a partir da exaltação dos símbolos nacionais, que causam comoção em segmentos da população e dão respaldo para o avanço das narrativas contrárias à democracia. Tangenciamos, definitivamente, essa fronteira, no processo eleitoral de 2022.
Aos olhos de hoje, após conhecermos minutas de planos de golpes, com o envolvimento de autoridades, inclusive próximas ao presidente da República, é possível dizer que a democracia brasileira passou por um processo de fragilidade real.
A segunda lição é sobre o tão famoso funcionamento das instituições. O episódio de oito de janeiro, que mancha a história democrática do país e que foi gestado dentro do contexto eleitoral de 2022, trouxe à tona o debate sobre a saúde das instituições e sobre o próprio escopo de atuação de cada uma delas.
Não apenas no processo eleitoral, mas a relação entre os Poderes há alguns anos vem apresentando momentos de tensões e desgastes, o que não é estranho em uma democracia, mas, caso não haja lideranças para a construção dos consensos necessários, a tendência é que haja um prejuízo significativo para a democracia e para os cidadãos, pois a tomada de decisões dos atores passa a ser repleta de vieses.
Como desdobramento da segunda, temos a terceira lição: a de que se faz necessário tornar o processo eleitoral ainda mais robusto quanto à aplicação das regras construídas democraticamente. O receio de que os resultados das urnas fossem fruto de uma avalanche de notícias falsas tomou conta do debate público e induziu as instituições, sobretudo o TSE, a ter uma atuação mais incisiva.
Mesmo assim, diante da fragilidade dos meios de combate, as notícias falsas ainda estavam no centro de muitas estratégias de campanha. Possivelmente, sem um investimento em debates republicanos envolvendo amplos setores da sociedade, as eleições se converterão, cada vez mais, em guerrilhas digitais.
A quarta lição versa sobre o comportamento eleitoral do brasileiro. Com base em que parâmetros ele faz as suas opções políticas? Em que medida, em 2022, houve alteração do padrão de escolhas, considerando os recortes clássicos, como idade, gênero, renda e região de procedência? Seria o eleitor brasileiro pacífico ou colérico? Mais racional ou mais “emocional”? Importante é que essas ilações considerem os aspectos do contexto, da conjuntura, sob o risco de termos conclusões precipitadas ou que não reflitam, de forma mais precisa, aquilo que corresponde à realidade.
Daqui a um ano, estaremos novamente em um “estado eleitoral” e novamente teremos o desafio de não sairmos do processo com mais fissuras e divisões.
Ainda que seja uma eleição com sua própria lógica, por ser local, terá a missão de ser um processo engrandecedor, não mais de retrocessos que fragilizam a nossa democracia.
Priscila Lapa, doutora em Ciência Política.