A advocacia representa hoje, no País, um contingente de mais de 1.300.000 mulheres e homens para tal sacerdócio habilitados. A medicina congrega quase um terço disso e a engenharia algo acima de 930.000 profissionais, só para se ter uma ideia. Para além dos números, é a única atividade liberal expressamente mencionada na Constituição Cidadã (artigo 133). Quando, expostos esses dados, a OAB se pronuncia em temas de magnitude, que interferem nos direitos das pessoas (população como um todo e Estado Democrático), costuma-se parar para ouvir.
A cada três anos desde 1958, a Ordem realiza a sua Conferência Nacional, o que não se fez possível na pandemia do coronavírus, quando liderava a entidade o carioca Felipe Santa Cruz, daí porque a reunião que começa em breves semanas na cidade de Belo Horizonte (MG) se anuncia cercada de tantas expectativas.
É o primeiro grande encontro da advocacia que ocorre no pós-terremoto das eleições que catapultaram do poder um projeto de viés antidemocrático em pleno século XXI. Sob a condução do Presidente Beto Simonetti, de quem tenho a responsabilidade de ser Consultor, serão discutidos temas que perpassam as finalidades da Ordem a partir do desenho que lhe confere o artigo 44, incisos I e II, do seu Estatuto, que ano que vem irá completar três décadas de vigência.
Foi aliás em uma Conferência da OAB em 1972 em Curitiba (PR), que, sob a liderança do Presidente José Cavalcanti Neves, até hoje o único pernambucano a ocupar tão elevado posto, a Ordem apresentou ao regime militar a conta salgada das reiteradas violações de direitos humanos perpetradas nos porões dos seus DOI-CODI, ressaltando, na ocasião, a impossibilidade de que os direitos individuais pudessem ser plenamente exercidos na ausência de garantias ao Judiciário e do habeas corpus. Mais ainda, cobrando que a comunicação de qualquer prisão fosse feita sem qualquer restrição ao exercício da advocacia. Por fim, pontuando a indissociabilidade do progresso econômico e social e do Estado de Direito, com o respeito aos direitos fundamentais.
Já em 1980, em nova Conferência, desta feita em Manaus (AM), a OAB consolidou posição pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que incorporasse, ao processo político, a maioria da população, até então ignorada. Mais tarde, em 1986, foi protagonista dos bastidores da convocação dessa Assembleia, vindo a relatoria geral da nova Carta Magna a ser designada a Bernardo Cabral, ex-Presidente do Conselho Federal da Ordem, relevando ainda ser dito que, dos membros da citada Assembleia Constituinte, 40% tinham formação jurídica.
No recorte para 1988, marco cronológico de nascimento do “documento das
liberdades”, como batizado pelo Deputado Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia que o gestou, o papel do advogado e da OAB na nova sociedade que se desenhava marcou a XII Conferência Nacional dos Advogados em Porto Alegre (RS).
Tendo como batonier Márcio Thomas Bastos, que anos depois se tornou Ministro da Justiça, a Conferência alertou em seu documento final: “Não basta a ampliação das declarações de direitos, o reforço e a criação de novas garantias no texto da Constituição para fazer expandir os direitos humanos além do limite onde até hoje têm sido mantidos, que é o das classes possuidoras. É preciso que a nova ordem constitucional não signifique apenas a recomposição formal do antigo regime tradicionalmente fundado na exploração do trabalho, mas que abra perspectivas amplas para o exercício de uma autêntica cidadania, assegurada plenamente a todos”.
A par desse mesmo sentimento, assuntos corporativos e institucionais de vulto serão enfrentados. Considerados os riscos tensionadores infligidos à democracia, que são insistentes e cada vez mais atrevidos, a história vai estar de olho, mas a advocacia, tenho certeza, não a irá decepcionar, assim como a OAB não perderá a chance de reassegurar a lição de Ruy Barbosa, seu patrono, de que longe da legalidade, sobretudo das balizas civilizatórias, não existe salvação. Entre 27 e 29 desse mês, merecidamente, os olhos e ouvidos da Nação vão estar em Belo Horizonte. Não vou perder esse bonde.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado