Sobrevém a qualquer instante uma hora em que se mergulha no sofrimento, e nem mesmo a arte pode mudar isso. O derredor é sombrio, a esperança é um cadáver esquecido em um campo de batalha. Pois não é outra a visão que a humanidade tem de si mesma hoje. Sem mudança à vista.
No meu mundinho, passo os dias a ter ideias impulsivas de reunir o condomínio, os moradores da rua, do bairro, da cidade, fazer um movimento qualquer no sentido contrário, algo como promover o Belo e o Bom, a divulgação do imperativo categórico kantiano, em outros termos, claro, sem cair na pieguice do Evangelho, mas, em suma, fazer o bem esperando que o outro também possa agir assim, obstinado em resolver as guerras, a fome, o desespero dos miseráveis. O problema é que, se Recife inteira atender a meus apelos, e a chance concreta é de que ninguém atenda, não vai adiantar. Quem quer o Elísio tem que se resignar a viver uma utopia, tentar retroceder ao século XVIII, ao Iluminismo, buscando filosofias, ciência, racionalidade, imaginem, numa época que produz Trump, Putin, Orbán, Bolsonaro, e até um louco nos pampas, aspirar à felicidade universal, ao encontro fraterno dos homens, à Viena dos intelectuais e artistas, é uma loucura!
Entrementes, me conformaria se, na vida em comum, pudéssemos nos comportar como na quadrilha: muitas figuras complicadas e múltiplos passos se cruzando de forma caótica, mas os casais nunca colidindo, habilmente integrados, cada pessoa parecendo seguir seu próprio impulso, mas nunca entrando no caminho do outro, uma representação perfeita da consciência da própria liberdade e consideração pela liberdade alheia (a metáfora é emprestada de Schiller, em sua narração da dança inglesa).
Sei que não vai adiantar esse apelo, de toda forma, porque o Brasil é um país de luzes apagadas, sem qualquer relevância no cenário mundial, pior, sem conteúdo humanístico. Por aqui se perdeu, além de tudo, a capacidade de se pensar por si próprio, aquilo a que Kant chamou de imaturidade autoinfligida, a dizer, a inabilidade de utilizar a compreensão própria sem a orientação de outrem. Se isso já era nefasto antes, dado o nível de escolaridade baixo da nação brasileira, tornou-se perverso com as redes sociais, os influencers que tolhem a capacidade de pensar. Por isso, quando se fala em igualdade, fraternidade, razão, a discussão adquire eixos que oscilam entre amor e ódio a depender daqueles que ostentam o domínio das redes, seja diretamente, seja pelos mecanismos de controle do sistema capitalista opressor.
Assim, a arte, ora, a arte. Nada mudará o declínio da humanidade. A arte é apenas um refúgio, onde se pode entrar irmanado com todos os homens, com alegria, mais belo fulgor divino, entoando a Ode. Nada mais se pode querer.
João Humberto Martorelli, advogado