OPINIÃO

Crime organizado e política

Sem controle da corrupção e da impunidade dificilmente controlaremos o crime organizado e, por sua vez, não avançaremos como sociedade civilizada e de democracia ampla, forte.

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JOSÉ MARIA NÓBREGA

Publicado em 31/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 31/12/2023 às 12:11
Crime organizado - Thiago Lucas

Dias atrás um chefe miliciano se entregou a polícia. O criminoso, identificado como Zinho, se entregou a polícia na tarde do último dia 24 de dezembro, véspera de Natal. A Polícia disse em reportagem ao site de notícias da UOL (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/12/25/prisao-zinho-o-que-muda-cv-rendicao-ligacao-deputada.htm), que Zinho se entregou por medo de ser morto pelo Comando Vermelho. Mas, o que chamou mais atenção foi o envolvimento desse criminoso com uma deputada estadual. Em investigações da polícia, há fortes indícios do envolvimento da deputada com a criminalidade organizada do Rio de Janeiro. Não é de hoje que o crime organizado carioca depende fortemente da política. Aliás, dificilmente o crime organizado se desenvolve sem a presença de atores estatais corruptos em sua engrenagem criminosa.

 A história do crime organizado no Brasil demonstra essa relação entre o submundo criminoso e a política. O jogo do bicho é um exemplo forte disso. A sua relação com o poder, não só com os políticos, mas, também, juízes e desembargadores, era demonstrada nas décadas de sessenta e setenta e está na literatura nacional do crime organizado.

 O primeiro fuzil que se tem notícia no país foi visto pela primeira vez na década de oitenta, nas mãos do criminoso Escadinha, chefe da então organização criminosa Falange Vermelha, o hoje Comando Vermelho. Nos dias atuais, o fuzil é visto com regularidade nas mãos de jovens recrutas do crime organizado e não está correlacionado com o maior ou menor acesso legal a armas de fogo. São armas que advém do crime de tráfico internacional de armas e conta com a presença de "facilitadores" em várias instâncias do Estado brasileiro.

 Os instrumentos de competição e participação política são de fundamental importância para a democracia, mas são insuficientes para a consolidação de um regime político democrático. Eleições devem ser precedidas por um estado de direito usável e este só é possível com instituições responsivas, ou seja, polícias, ministério público, judiciário, sistema de justiça e sistema político que sejam responsivos às demandas dos cidadãos e que sigam às leis. Ninguém é de legibus solutus, ou seja, ninguém deve estar acima das leis, com destaque as leis penais do Estado.

 Dito isto, o crime organizado só floresce em democracias onde o estado de direito é fraco, derivado de sua irresponsividade, que é quando as regras (instituições formais) não são seguidas a contento pelas organizações do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou quando há presença marcante de atores de legibus solutus e/ou corruptos em suas engrenagens facilitando a atividade ilegal e criminosa dessas organizações.

 O envolvimento do miliciano (o Zinho) com uma deputada parece, ao olhar do observador desatendo ou desconhecedor da história da criminalidade no Brasil, ser exceção na conjuntura criminal brasileira. Mas, o que sabemos é que é praticamente impossível o desenvolvimento da criminalidade organizada sem a presença de atores estatais em suas articulações.

 Organização criminosa é um conceito complexo, mas podemos defini-la minimamente como uma empresa na qual há mais de dois interessados, que age de forma sistemática, onde há divisão de tarefas, que usa de artifícios violentos quando necessário e que conta com a ajuda de atores sociais corruptos em suas engrenagens em busca de lucros e riqueza no mercado ilícito, seja de drogas ou de qualquer outra vantagem econômica.

 Dessa forma, organização criminosa não é um conceito ligado apenas ao crime do tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e aos grupos paramilitares, como são as milícias cariocas. "Organizações criminosas largas, estáveis, estruturadas que operam em vários países, engajadas em uma pluralidade de atividades lucrativas e usualmente exercendo certa sorte de controle sobre a vida econômica, política e social em suas áreas de origem (...) se consolidaram e sobreviveram em contextos em que as estruturas governamentais são frágeis ou seus representantes estão dispostos a fazer pactos com os chefes das organizações criminosas" (PAOLI, Letizia (2017). "What is the link between organized crime and drug trafficking?", Rausch, v.6, Jahrgang, n. 4, pp.181-189).

 Portanto, enquanto os níveis de corrupção e impunidade forem o que são no Brasil, país de very high impunity conforme os dados do Global Impunity Index, dificilmente controlaremos a criminalidade organizada. A Operação Lava-jato levou para a cadeia dezenas de atores políticos corruptos, facilitadores de atividades criminosas, que hoje, em sua maioria, estão soltos e alguns deles voltaram "a cena do crime", outros, mais perigosos, estão voltando. Não tem como consolidar uma democracia dessa forma. Sem controle da corrupção e da impunidade dificilmente controlaremos o crime organizado e, por sua vez, não avançaremos como sociedade civilizada e de democracia ampla, forte.

José Maria Nóbrega, cientista político e historiador.

 

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