OPINIÃO

Saídas e entradas

Enquanto o Brasil não investir severamente em seu sistema penitenciário, consolidando políticas sociais nas prisões, em fiel cumprimento à Constituição Federal e à Lei de Execução Penal, oferecendo dignidade humana ao preso, não teremos, jamais, uma redução da criminalidade...

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Adeildo Nunes

Publicado em 25/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 26/01/2024 às 11:55
Superlotação nos presídios do País e falta de controle do Estado contribuíram para formação de facções - ARQUIVO AGÊNCIA BRASIL

Em setembro de 2023 a nova Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENNPPEN), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que substituiu o antigo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), publicou relatório circunstanciado sobre o quadro carcerário brasileiro, concluindo que até 30.06.2023 havia cerca de 644 mil pessoas recolhidas em nossos estabelecimentos prisionais, 617 mil homens e 27 mil do sexo feminino. Na época, Pernambuco era o quinto Estado em população prisional, atingindo cerca de 28 mil detentos, em seus presídios e cadeias públicas, enquanto nos presídios do Estado de São Paulo existiam pouco mais de 195 mil reclusos. Aqui estavam incluídos presos provisórios (aguardando julgamento definitivo), condenados nos regimes fechado, semiaberto e aberto, além daqueles que se encontravam cumprindo a pena em regime domiciliar, com ou sem equipamento eletrônico. Pelo levantamento estatístico da SENNPPEN, no período apurado, o Brasil era o quarto País do mundo em população carcerária, atrás, somente, dos Estados Unidos da América (2,2 milhões), China (1,8 milhões) e da Rússia (1,6 milhões).

Dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, uma organização não governamental por demais conceituada e reconhecida mundialmente, deram conta que em 31.07.2023 existiam 832 mil pessoas recolhidas nos estabelecimentos prisionais do País, para uma capacidade de lotação equivalente a 602 mil vagas, donde se conclui que o déficit carcerário, na época, era de cerca de 230 mil vagas. Nas informações do Anuário estão incluídos, também, aqueles que estavam em prisão domiciliar, livramento condicional e os internados nos hospitais psiquiátricos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, como órgão administrativo do Poder Judiciário, preocupado com a grave situação carcerária brasileira, resolveu criar o seu Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, quando passou a centralizar, também, dados estatísticos em relação ao sistema penitenciário brasileiro. Em junho de 2023 o CNJ publicou quadro carcerário nacional, dando conta que existiam mais de 830 mil detentos no País, aqui incluídos os provisórios, os já condenados nos três regimes prisionais, os internados em manicômios judiciários e, por fim, aqueles que estavam cumprindo pena ou preventiva em sistema domiciliar.

Nota-se, pelos dados divulgados, que há - e sempre houve - uma notória discrepância entre aqueles dados que são coletados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (antigo Depen), pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública e pelo Conselho Nacional de Justiça. Ocorre, porém, que essas divergências decorrem da metodologia que é utilizada pelos organismos para a coleta das informações. Por que o Conselho Nacional de Justiça e a Secretaria Nacional de Políticas Penais, por exemplo, não elaboram um único relatório semestral sobre o quadro carcerário brasileiro? Para a realização de políticas penitenciárias eficientes, além da vontade política, não há dúvidas de que as informações carcerárias fidedignas são fundamentais para a realização de um programa de integração social dos condenados.

Pelo art. 1º da Lei da Execução Penal, uma das finalidades da execução da pena é a integração social do condenado. Qual é o perfil social de quem está ingressando, agora, nos presídios brasileiros? São geralmente analfabetos, sem profissão, desempregados, família desconstituída e envolvimento com drogas. Bem por isso, a Lei de Execução Penal não pretende ressocializar o condenado, como muitos imaginam, equivocamente. A LEP quer integrar socialmente o condenado, vale dizer, no presídio, cumprindo pena, pela lei, deve haver escolas, trabalho, reaproximação familiar e tratamento toxicológico, no mínimo.

Quando a LEP autoriza a saída temporária do condenado (28 vezes por ano), para aquele que esteja cumprindo a pena exclusivamente em regime semiaberto e que tenha bom comportamento carcerário, portanto, prestes a cumprir a sanção penal, é porque pretende que a reaproximação familiar seja possível e necessária, e que os laços familiares, perdidos com a prisão, possam ser revigorados. Sem a participação familiar, dizem os estudiosos, não há que se falar em integração social. Esqueçam a ressocialização, pois os presos brasileiros, em sua grande maioria, jamais foram socializados.

Enquanto o Brasil não investir severamente em seu sistema penitenciário, consolidando políticas sociais nas prisões, em fiel cumprimento à Constituição Federal e à Lei de Execução Penal, oferecendo dignidade humana ao preso, não teremos, jamais, uma redução da criminalidade, porque o tratamento desumano utilizado e o encarceramento em massa, sem dúvidas, só contribuem para o aumento do crime, que persistirá enquanto o Brasil não abrir os olhos para o drástico problema social que cresce a cada instante.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Mestre e Doutor em Direito de Execução Penal, Membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)

 

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