OPINIÃO

Governo federal e a tributaçãodos incentivos fiscais

A autonomia tributária de cada ente da Federação deve ser respeitada, sem a invasão indiscriminada de um ente sobre outro

Cadastrado por

LUCIANO BUSHATSKY E DANIELA MARQUES

Publicado em 27/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 27/01/2024 às 6:56
Reforma tributária - Thiago Lucas

O "carnaval tributário" voltou. Em sua sanha arrecadatória, diversas novidades no Direito Tributário foram criadas pelo Governo Federal, em conjunto com o Poder Legislativo, no final do ano de 2023. Um fato curioso ocorreu, inclusive, pois o adicional de 1% sobre o COFINS-Importação foi revogado em um dia e, no outro, teve o ato que o revogou revogado por uma Medida Provisória, ainda não convertida em Lei.

No entanto, o que nos interessa debater é a sanha arrecadatória do Governo no que diz respeito à insistência pela tributação dos incentivos fiscais, que se tornou obrigatória a partir da edição da Lei de número 14.789/2023, publicada no dia 29 de dezembro de 2023.

Em suma, a referida Lei revogou os dispositivos que afastavam a tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS das respectivas normas. Em contrapartida, criou uma espécie de crédito, passível de uso com outros tributos federais. Para este crédito, há uma expressa demanda pelo atendimento aos requisitos indicados na referida Lei. Foi uma espécie de tirar um saco de pirulitos das crianças e devolvê-la apenas um.

O Brasil tem, em sua Constituição Federal de 1988, a chamada Carta Cidadã, um princípio basilar que rege a relação entre os entes federativos (União, Estados e Municípios), que é o pacto federativo. Este princípio consiste em uma efetiva repartição de competências tributárias entre os referidos entes federativos, de modo que cada um tenha autonomia para estabelecer seus tributos de acordo com suas respectivas competências.

Pois bem. Nessa linha, ao editar a já citada Lei n. 14.789/2023, que revoga dispositivos que, ao bem da verdade, garantiam o funcionamento do pacto federativo, impedindo a incidência de tributos federais sobre incentivos fiscais concedidos pela própria União, Estados e Municípios, o Poder Executivo Federal, chancelado pelo Poder Legislativo Federal, impôs um ônus tributário que vai de encontro ao pacto federativo acima delineado.

Na prática, o que acontece é o seguinte: o Estado cria um incentivo fiscal para reduzir a carga tributária de determinado contribuinte, a fim de induzir investimento. O Governo Federal, ao se deparar com o referido incentivo, afirma que o que não está sendo pago pelo contribuinte seria caracterizado como faturamento dele e, portanto, fará incidir sobre o determinado valor o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS.

Em contrapartida, o Governo Federal cria uma hipótese de crédito fiscal, no intuito de alegar estar fazendo, ao bem da verdade, uma bondade, pois não estaria onerando o contribuinte, mas tributando uma parcela de seu faturamento, não em sua totalidade, mas parcialmente, em razão da concessão do referido crédito fiscal.

Não que a nova Lei torne inócuo o incentivo fiscal criado pelo Estado, mas o reduz, de forma significativa, de modo que a empresa que tanto planejou tende a rever o seu planejamento. E por que não repensar os seus investimentos idealizados com base no favor fiscal estadual?

Vejamos o exemplo referente a uma empresa que decidiu pela instalação de uma Central de Distribuição em um determinado estado, tão somente em razão de um incentivo fiscal que geraria a ela, considerando o frete e demais custos logísticos, de 15% de redução de seu custo. Com eventual tributação do incentivo pelos tributos federais acima mencionados, o ganho pode ser reduzido a tal ponto que possa gerar nos gestores da referida empresa nova reflexão quanto aos investimentos naquela Central de Distribuição e, em um cenário extremo, a desistência da opção pelo estabelecimento naquele determinado estado.

O intuito arrecadatório exacerbado não pode afrontar os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. A autonomia tributária de cada ente da Federação deve ser respeitada, sem a invasão indiscriminada de um ente sobre outro, de modo que esta autonomia, ainda existente, já que será reduzida de forma impactante pela Reforma Tributária, a qual já criticamos em artigo anterior, torne-se aplicável.

Dito isso, é importante que a sociedade, por meio de seus representantes, possa buscar a revisão do que dispõe a Lei n. 14.789/2023, seja por meio de um Projeto de Lei para reforma da referida norma, seja por meio de ações judiciais, ou mesmo uma ADIN, apresentada por ente legítimo, que tenha por propósito questionar a constitucionalidade da novidade legislativa imposta pela Lei em comento.

Luciano Bushatsky é advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo IDP, mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de SP da FGV. Atua exclusivamente na área de Direito Aduaneiro desde 2007

Daniela Marques é graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, pós-graduada em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT

 

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