O edifício-sede da SUDENE completou, ontem, 50 anos de sua inauguração. Está ali, "quase invisível", na Cidade Universitária às margens da BR-101. Entretanto, o cinquentão foi abandonado pelos governantes nordestinos, contando com ativa participação dos brasilianistas. Curiosamente, até a SUDENE o abandonou ao se instalar em "moderna sede nova" em Boa Viagem.
Na sua trajetória, nascido pela doação do terreno de 60.000 m2 objetivando a sua construção, o "invisível imóvel" foi devolvido pelo Governo Federal à UFPE - o terreno e mais a edificação com 72.000 m2 de área construída.
Ele está ali quieto. Silente, entristecido. Exposto ao abandono irresponsável dos governantes e à ausência de atenção pelos cidadãos que ali passam. Aquele que foi, nos anos 1970, parte das três maiores obras públicas em construção no Brasil - as sedes do BNH, BNDES e SUDENE.
Nascido da antevisão de Rubens Costa, enquanto Superintendente da SUDENE, quando constituiu a Comissão para construção da sede própria da autarquia, que resultou na escritura de doação do terreno em 1967 pelo Reitor da UFPE, Murilo Guimarães.
Na sequência foi criado o Grupo de Trabalho do Projeto Sede para desenvolver o processo de construção. E é aí que se insere esse meu curto registro - trata-se da arquitetura do "quase invisível edifício". Por que invisível? A sua arquitetura carrega o fardo de tempos ruins - o período da ditadura militar. Portanto, se confunde a permanência da obra com a tempestade que se foi no tempo.
Entretanto, cabe indagar se a sua arquitetura merece o reconhecimento de uma obra enquanto exemplo do modernismo no período dos anos 60/80? Merece, sim. O olhar do que lá resiste ao vento, à chuva, ao sol, aos maus gestores, demonstra o reconhecimento de uma arquitetura inovadora, plena de criatividade e de arte.
Cabe sim, o registro dos componentes que a diferenciam do lugar comum. É uma notável proposta de ruptura com os padrões dominantes na época, e que se mantém íntegra nesses 50 anos.
A arquitetura e a engenharia passaram por desafios, a exemplo, na partida, de uma gleba cujo subsolo é tufa, ou seja, requerendo perfis metálicos enfiados no chão até quase 50 metros de profundidade. Por comparação, os 13 pavimentos do edifício principal têm 55 metros de altura.
Na engenharia nota-se a predominância do concreto aparente indo além da superestrutura, bem como as vedações das edificações complementares que adotaram o mesmo acabamento. A arquitetura focou na adoção plena do concreto para transformá-lo em painéis de esculturas em baixo relevo. E assim foi na fachada leste com pergolado e peitoris, permitindo, inclusive, a ventilação cruzada Leste-Oeste (salas de trabalho e circulação ao longo de quase 300 metros da lâmina).
Na vedação das fachadas norte e sul e ainda nas três torres verticais foram utilizados o revestimento de cerâmica Brennand, produzidos pela Oficina de Francisco Brennand. Na mesma linha, no fechamento da grande fachada oeste foram criados cobogós de cimento compondo um tecido singular que demandou 85.000 peças que se encaixam entre pilares e vigas de concreto aparente.
O detalhamento das edificações contempla, por exemplo, nas janelas ao leste, onde se dispõe de vãos livres para distribuição de funções administrativas, esquadrias de alumínio a suportar vidros duplos com uma malha translúcida que permite a entrada do sol até as nove horas da manhã. A ventilação se faz sobre o teto rebaixado da circulação e sai pelos cobogós. As paredes divisórias são removíveis, adequando os espaços de trabalho em modulações regulares de 1,20 metro, e o mobiliário responde a essa condição de pleno aproveitamento de suas funções.
O paisagismo foi entregue a Burle Marx e os painéis de piso do hall de acesso principal e dos dois auditórios utilizaram criação e produção de Francisco Brennand.
Estes exemplos são parte do que lá está ainda de pé. Mantêm as condições originais, apesar dos monstrengos aparelhos de ar-condicionado em salas de "privilegiados chefes" em tempos recentes.
Curiosamente, em 2014 a proposta de tombamento do conjunto arquitetônico pelo IPHAN também não foi acatada pela instituição - uma negação ao que existe de mais contundente no período modernista da arquitetura.
Em 1996, na análise de seleção pela Prefeitura do Recife dos Imóveis Especiais de Preservação o Edifício da SUDENE não obteve os pontos suficientes, a explicação formal: "provavelmente por conta dos atributos de ESPECIFICIDADES DE ESTILO, APESAR DE APRESENTAR UMA SÉRIE DE CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS QUE AGREGAM VALOR AO CONJUNTO."
Diante dos fatos registro dois comentários: o primeiro é de que o cinquentão requer urgente manutenção, posto que apenas se cuidou de resolver probleminhas localizados e gambiarras emergenciais. O segundo comentário contempla o provável mau uso e a consequente inserção de puxadinhos ou reformas parciais para funções inadequadas, posto que não existe instrumentos legais de proteção para a edificação - permitindo, por exemplo, a construção de um belo edifício garagem ou quem sabe, a alteração das fachadas para a refrigeração da temperatura.
O destino do invisível edifício modernista está posto na insegurança jurídica de sua preservação, bem como no abandono e na evidência do apodrecimento construtivo.
Sabemos que a Universidade Federal não tem como responder as demandas construtivas para uma revitalização e seu uso pleno. Sabemos que os governos não olham, e nem mesmo entendem a sua relevância. Aliás, mais que cuidar de edificações, seria atraente produto imobiliário - 72.000 m2 de área de ocupação para liberar centenas de imóveis públicos alugados pelos três níveis de governo, no Recife.
Entendo que os 50 anos sejam capazes de rever resistências equivocadas e mobilizar segmentos organizados afetos ao patrimônio edificado, como por exemplo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU, o Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB-PE, o Sindicato dos Arquitetos no Estado de Pernambuco - SAEPE, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco - CREA, o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Pernambuco - SINDUSCON, a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário - ADEMI, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco - IAHGP. E tantos outros atores capazes de responder pela proteção e uso do exemplar cinquentão.
Paulo Roberto Barros e Silva, arquiteto