A doença cárie, que acomete predominantemente crianças pobres em todo mundo, é mais prevalente que asma. Em Pernambuco, cerca de 40% dessas crianças têm dentes com cáries não tratadas. Esses menores fazem parte de um grupo populacional predominantemente dos nascidos com baixo peso, de mães adolescentes ou dos que sofreram de doenças crônicas no primeiro ano de vida. Elas têm dor de dente, o que contribui para a falta de assiduidade escolar e dificuldades no convívio social. Essa doença é passível de prevenção por meios não odontológicos, como acesso à moradia digna, água tratada e educação de qualidade.
Estamos falando de menores com dentes cariados não tratados. No mundo são mais de 500 milhões de crianças nessa condição. É urgente melhorar o acesso aos cuidados da saúde bucal dessas pessoas. Historicamente, no Japão, no século IXX, as noivas, na véspera do casamento, tinham seus dentes pintados com nitrato de prata, que os deixava pretos, simbolizando a purificação da boca para garantir a saúde da família que viria a constituir. Culturas mais antigas já utilizavam a prata como bactericida, em queimaduras, como desinfetante, dentre outras aplicações.
Em 1968, dentistas japoneses, com o intuito de aprimorar a prática ancestral de tingir os dentes com a prata iônica, acrescentaram ao produto o flúor e alguns países, inclusive o Brasil, passaram a utilizar essa solução para paralisar cárie em dentes de leite. A técnica é muito simples: pintar os dentes cariados com o produto, sem necessidade de consultório odontológico; em cadeiras escolares, resultando em dentes tratados, sem dor ou sofrimento. Em 2009, essa tecnologia, realizada aqui no Recife por professores da UPE, chamou a atenção da Harvard School of Dental Medicine. O produto, denominado Diamino Fluoreto de Prata, teve a sua eficácia testada e impediu o progresso de cárie em 90% dos dentes afetados.
Cientes dos nossos estudos, os Estados Unidos e países de outros continentes passaram a adotar a tecnologia. Infelizmente, a prata iônica mancha os dentes e estigmatiza as crianças pobres, como aquelas que têm dentes pretos. A vantagem é de ser de baixo custo, de fácil aplicação e ampliar o acesso ao tratamento. No ano de 2010, um time da química fundamental da UFPE e da odontologia da UPE, inspirados na utilização de nanopartículas de prata nas bandagens cirúrgicas e outros, conseguiu sintetizar um novo produto, um verniz, batizado de Nano Fluoreto de Prata, que, com a mesma tecnologia de pintar os dentes, paralisou a cárie e impediu a dor de dente em proporções similares ao produto iônico, sem escurecer o sorriso dos pequenos. O projeto enfrentou dificuldades para o escalonamento da produção.
No entanto, através da ciência, surge uma nova oportunidade de melhorar o acesso ao tratamento aos necessitados. Um produto denominado de água argêntea, disponível em todo o mundo, por décadas, para tratamento desde infecções gastrointestinais a queimaduras, de baixo custo, contém nanopartículas de prata, em concentração menor que o produto anterior, também conseguiu paralisar cárie, com grande sucesso, em escolares da cidade do Recife.
A difusão e aplicação efetiva desse conhecimento simples e cientificamente comprovado impactará grandemente na vida de milhares de crianças que sofrem com as consequências das cáries. É a ciência, provando-se mais uma vez necessária, vital e indispensável para a sociedade. Um passo que, se adotado por gestores públicos interessados e responsáveis, seria capaz de mudar vidas.
Aronita Rosenblatt - Professora titular de Odontopediatria UPE e Vice-Presidente da Academia Pernambucana de Ciências