Opinião

Artigo de Adeildo Nunes: "Os três poderes jamais foram tão desarmônicos"

Independentes e harmônicos, na visão da Constituição, os Três Poderes da República, desde a promulgação de 1988, jamais foram tão desarmônicos

Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 28/08/2024 às 22:47
Praça dos Três Poderes, em Brasília - ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO

Na fase de elaboração da Constituição Federal de 1988, por uma Assembleia Nacional Constituinte, formada por parlamentares, juristas e pela iniciativa popular, era firme a intensão dos constituintes em adotar o Regime Parlamentarista, onde um Primeiro-Ministro seria o Chefe de Governo e um Presidente da República exerceria a chefia de Estado.

Dias antes da sua promulgação, entretanto, o então deputado Federal Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia, insistiu na manutenção do modelo presidencialista, com a aquiescência do senador Bernardo Cabral, escolhido relator e sistematizador do novo Texto Constitucional. De tudo resultou que na data da sua promulgação, o presidencialismo foi escolhido como forma de Governo, ficando acordado que em plebiscito popular, 5 (cinco) anos após a sua vigência, deveria decidir entre os dois sistemas de governo.

Realizado o plebiscito, em 1992, o presidencialismo foi escolhido, pelo voto popular dos brasileiros, mas o Texto de 1988 deixava imensas influências institucionais parlamentaristas. As medidas provisórias, próprias do regime parlamentar, porém, permaneceram no corpo da Carta Constitucional, quando, na verdade, elas só existem no modelo parlamentarista, já que é o Primeiro-Ministro quem tem a autorização para editá-las, com força de Lei, até que o plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em seção conjunta, pudesse aprová-las ou rejeitá-las, pela maioria absoluta dos votos nas duas Casas.

Com a decisão soberana do povo brasileiro, o presidencialismo, portanto, foi o sistema de governo escolhido, significando que os Poderes da República deveriam seguir as lições de Montesquieu, equiparando o Legislativo, Judiciário e Executivo, como símbolos da magnificência republicana.

O Poder Legislativo – Senado e Câmara dos Deputados - discute e aprova as leis que devem reger o País e tem autorização, inclusive, de aprovar emendas à Constituição, desde que o faça pelo voto majoritário dos parlamentares das duas Casas, em dois turnos, contando que a votação atinja a maioria de 2/3 (dois terços).

Independentes e harmônicos, na visão da Constituição, os Três Poderes da República, desde a promulgação do Texto de 1988, jamais foram tão desarmônicos e dependentes um do outro como se assiste após o ano de 2018, quando o então presidente da República resolveu entregar ao Parlamento o poder de gerir as verbas orçamentárias do País, quando se sabe que cabe ao Poder Executivo a tarefa de decidir sobre os gastos públicos e sobre as suas receitas.

Embora o Parlamento possa opinar sobre o orçamento da nação, quando analisa o projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Executivo, o Parlamento brasileiro passou a gerir, em parte, os recursos orçamentários que devem ser utilizados em benefício da sociedade, que paga tributos almejando políticas públicas que dignifiquem os anseios sociais, nomeadamente com esmero na educação, saúde e moradia, três abismos sociais que nunca foram objeto do atoleiro que vivenciamos ao longo dos anos.

Com a fome produzindo insegurança pública e indignidade humana, pasmados, os brasileiros viram o Parlamento criar, sem nenhum afago social, emendas parlamentares que retiram do orçamento público verbas que deveriam ser objeto de planejamento e necessidades públicas, sem qualquer controle do Tribunal de Contas e sem a transparência exigida pelo art. 37 da Constituição, bilhões de reais que certamente serviriam para atenuar o sofrimento dos necessitados, comumente incapazes de sobreviver às atrocidades políticas decididas nos gabinetes luxuosos de Brasília.

Quando o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição. provocado, decide pela transparência no uso e destino nessas verbas públicas, surgem os magnatas orçamentários apresentando projetos de emendas à Constituição como sinônimo de revanche, pretendendo reduzir os poderes constitucionais outorgados pela Carta Magna aos órgãos do Poder Judiciário, ora desejando exercer o controle jurisdicional sobre as decisões judiciais emanadas de quem tem autorização constitucional para fazê-lo, ora proibindo a concessão de liminares pelos magistrados brasileiros, esquecendo que em situações de urgências há necessidade de antecipar o julgamento de mérito.

Em resumo, é o Poder Legislativo Federal o culpado número um pela crise que envolve os Poderes da República na atualidade. Na hora de escolher seus candidatos, pensem nisso.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor da pós-graduação em Ciências Criminais do Instituto dos Magistrados do Nordeste, doutor e mestre em Direito de Execução Penal pela Universidade Lusíada de Lisboa

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